Conclusões

O uso de canais remotos vem crescendo significativamente e representam 66% do total de transações realizadas (remotas e presenciais). Os smartphones e PDAs lideram esse avanço: as transações por smartphones cresceram 19% entre 2015 e 2017.

O futuro, no que diz respeito a acesso e uso de serviços financeiros, caminha para ser digital. O uso de instrumentos eletrônicos pode contribuir para aumentar a inclusão financeira dos cidadãos (uma vez que a tendência é que tenham custos mais baixos), e para maior eficiência e segurança no mercado de pagamentos de varejo brasileiro. Nesse cenário, os pagamentos instantâneos têm o potencial de se tornarem o “novo normal” em opções de pagamento eletrônico no médio prazo e o substituto mais próximo do dinheiro em espécie. Para criar um ecossistema de pagamentos instantâneos eficiente, competitivo, seguro e inclusivo, o BCB está assumindo o papel de líder e de catalisador desse processo.

Enquanto os pagamentos instantâneos não se tornam realidade, é preciso estimular, no curto prazo, que instrumentos eletrônicos mais baratos, a exemplo do cartão de débito, sejam mais utilizados do que os mais custosos, como o cartão de crédito. Este último é instrumento amplamente usado pelos brasileiros, porém, quando não utilizado de forma responsável, pode contribuir para aumentar o endividamento das famílias. Estudo baseado em pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo SPC Brasil aponta que, entre os usuários de cartão, 33% já tiveram o cartão bloqueado pelo atraso no pagamento da fatura e 48% já ficaram com o “nome sujo”, ou seja, já foram inscritos em cadastros de inadimplentes.

Nesse sentido, algumas iniciativas estão sendo empreendidas pelo BCB, como a redução na tarifa de intercâmbio do cartão de débito e recentes normativos com ajustes na modalidade do rotativo do cartão de crédito.

Nesse cenário de crescente digitalização, é preciso levar em consideração a parcela da população que ainda está fora dele. Dados apontam que a utilização de canais presenciais, especialmente os correspondentes bancários, para pagamentos de boletos e realização de transferências ainda é grande. Além disso, o dinheiro em espécie continua sendo largamente utilizado, como mostram dados de estudo com base na pesquisa “O brasileiro e sua relação com dinheiro”, encomendada pelo BCB. A transformação para o digital, portanto, precisa ser acompanhada para que se garanta que esse processo será, de fato, inclusivo.

Para isso, conhecer melhor o perfil do público mais vulnerável é imprescindível. Passo importante foi dado nesse sentido com a possibilidade de cruzamento das bases de dados do BCB com os registros do Cadastro Único, graças à parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Os resultados dos primeiros estudos começam a ficar prontos, lançando uma luz sobre aspectos importantes de relacionamento bancário e uso do crédito por essa parcela da população.

Com relação ao acesso a crédito de forma geral, dados do BCB mostram que a penetração é menor na população situada na faixa de renda de até dois salários mínimos, parcela que, geralmente, possui mais dificuldades para comprovar renda e apresentar garantias. Ampliar o acesso ao crédito dessa faixa permanece um desafio, e a obtenção de informações por meios alternativos sobre o histórico de pagamento dessa população pode ser uma das soluções. Ao abranger informações de prestadores de serviços continuados, a reforma da legislação que regula o cadastro positivo pode contribuir para isso e beneficiar parcela significativa da população que, por diversos motivos, não tem ainda acesso ao mercado formal de crédito.

Espera-se, também, que a ampliação do cadastro positivo reduza a assimetria de informações no mercado creditício, melhorando a qualidade da concessão de crédito. Outro benefício seria o de reduzir a dependência de garantias e colaterais, que, embora contribuam para a redução da taxa de juros, podem levar a práticas de crédito não responsáveis, tanto pelo lado das instituições financeiras, que podem adotar práticas inadequadas de oferta e renovação do crédito, quanto pelo lado dos consumidores, pela possível tomada de crédito sem o devido planejamento, como analisado no texto sobre o crédito consignado.

O cadastro positivo pode, ainda, estimular o ingresso de novas instituições financeiras nesse segmento, como as fintechs. Consequentemente, o funcionamento efetivo desse cadastro poderá contribuir para a ampliação da concorrência no âmbito do sistema financeiro, o aumento da oferta de crédito e a redução do seu custo (spread). O novo cadastro positivo é, além disso, um estímulo à educação financeira da população, pois recompensar “bons pagadores” é também fomentar uma gestão financeira sustentável.

Além de impactos positivos no crédito, a disseminação da educação financeira pode ser uma das saídas para estimular o hábito de poupar entre os brasileiros, que, apesar de ter apresentado evolução nos últimos anos, continua sendo baixo. O Brasil apresenta menor nível de poupança em comparação com o grupo de países do Brics, como mostra a pesquisa Global Findex.

Levar o assunto para as salas de aula tende a ser uma das saídas para disseminar a educação financeira no país. No entanto, esse é um caminho cercado por desafios, como mostra estudo inicial sobre pesquisas e experiências de educação financeira nas escolas.

Espera-se a participação do cidadão não apenas na gestão de seus próprios recursos, mas também no aprimoramento do sistema financeiro. Nesse sentido, é importante que o cidadão reclame quando os serviços financeiros não atendam suas expectativas e necessidades, e que as instituições financeiras e o Banco Central desenvolvam mecanismos para capturar os anseios e as tendências comportamentais do consumidor de forma efetiva para entregar serviços e regulação adequados. A existência de um maior número de reclamações nos órgãos de governo do que nas ouvidorias das instituições financeiras pode indicar que algo no fluxo, que vai da reclamação do consumidor ao aprimoramento dos serviços financeiros, precisa ser aperfeiçoado. Encontrar respostas sobre os motivos pelos quais isso acontece é relevante para manter a confiança do cidadão no sistema financeiro.

Cabe salientar que, de 2015 a 2017, o país enfrentou um ambiente macroeconômico mais desafiador, que teve como consequência a deterioração dos indicadores de mercado de trabalho, renda e consumo das famílias. Esse cenário adverso ajuda a explicar a desaceleração no crescimento do crédito e dos níveis de relacionamento bancário.

Questões mais amplas, possivelmente ligadas aos obstáculos para o empoderamento econômico feminino, também parecem influenciar o uso e acesso de produtos bancários por homens e mulheres. A abertura dos dados de crédito mostra diferenças entre esses dois grupos em relação ao valor do saldo de crédito da carteira ativa, que é sensivelmente maior para os homens do que para as mulheres. Em modalidades que exigem maior renda, tais como crédito imobiliário e aquisição de veículos, a participação masculina é ainda maior. Dados como esses sugerem que disparidades na renda e de participação no mercado de trabalho entre os dois grupos podem ser fatores importantes para explicar essas diferenças encontradas.

O Índice de Cidadania Financeira como proposta


Essas são apenas algumas das nuances e dos pontos a serem levados em consideração nos diversos cenários que formam o contexto em que se baseia a cidadania financeira. Para acompanhar a evolução desse panorama de maneira mais integrada, foi proposto o ICF.

Espera-se que o índice possa ser útil para direcionar esforços e corrigir trajetórias, no sentido de fortalecer a cidadania financeira. O ICF é um exercício inicial, apresentado aqui como um convite ao debate e à formação de parcerias para seu aprimoramento. Afinal, estimular a participação no diálogo sobre o sistema financeiro é parte essencial do desenvolvimento da cidadania financeira.