Apêndice - Textos técnicos e acadêmicos

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UMA ANÁLISE DOS EFEITOS DA REGULAÇÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS BRASILEIRO: O CASO DAS SOCIEDADES DE CRÉDITO AO MICROEMPREENDEDOR

 

 

 

 

 

 

 

 

Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas para a obtenção do grau de mestre em Administração Pública

 

 

 

Vanina de Souza Lima

Rio de Janeiro, março de 2004

 

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

 

 

UMA ANÁLISE DOS EFEITOS DA REGULAÇÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS BRASILEIRO: O CASO DAS SOCIEDADES DE CRÉDITO AO MICROEMPREENDEDOR

 

 

 

 

Dissertação de mestrado apresentada por

VANINA DE SOUZA LIMA

 

E

Aprovada em     16  / 04  / 2004   

Pela Comissão Examinadora

 

 

 

 

_____________________________________________________________________________ROGÉRIO SOBREIRA BEZERRA

Doutor em Economia

 

______________________________________________________________________

MARCO AURÉLIO RUEDIGER

Doutor em Sociologia

 

______________________________________________________________________

ANTÔNIO JOSÉ ALVES JR.

Doutor em Economia

 

Agradecimentos

 

Concluir um curso de Mestrado requer não somente esforços próprios mas também o auxílio de outras pessoas que se envolvem, direta ou indiretamente, nessa árdua, mas gratificante jornada.

 

Portanto, nada mais justo agradecer a todos aqueles que contribuíram para que eu pudesse lograr êxito nesta tarefa.

 

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus por ter me dado a sabedoria de aproveitar as oportunidades que a vida me ofereceu e a humildade de aprender sempre, pois jamais somos donos da verdade absoluta.

 

Em segundo lugar, aos meus pais, e em especial a minha mãe, pelo amor e pela dedicação de uma vida inteira, sem os quais certamente não teria chegado aonde cheguei.

 

Ao meu marido, agradeço pelo amor que nos une e que tem nos permitido ultrapassar os momentos tão dolorosos vivenciados durante o curso deste trabalho. Foi esse amor que me permitiu continuar sem desistir...

 

 Agradeço também aos meus amigos e colegas do Banco Central do Brasil que possibilitaram que eu começasse e concluísse o Curso de Mestrado, e em especial a todos com os quais pude conviver desde que iniciei minha carreira nesta respeitada Instituição.

 

            E finalmente, agradeço à Fundação Getulio Vargas e ao seu corpo profissional por terem propiciado os subsídios e condições necessárias para a conclusão desta dissertação, sem esquecer os amigos de classe que fizeram parte desta caminhada.

 

 

 

Resumo

 

A presente dissertação tem como objetivo analisar o processo de regulação do setor de microfinanças no Brasil com base na regulamentação das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor - SCMs, única forma institucional especializada em microfinanças no Sistema Financeiro Nacional, e que, em vista disso, tem sua atuação regulada e supervisionada pelo Banco Central do Brasil. 

 

A regulamentação das SCMs tem sido uma das estratégias adotadas pelo Governo Federal em nosso país para incentivar a geração de emprego e renda para a população que usualmente é excluída do sistema financeiro tradicional, especialmente para os microempreendedores, que têm dificuldades em obter financiamento para suas atividades produtivas junto às instituições financeiras que fazem parte desse sistema.

 

No entanto, apesar das inúmeras medidas governamentais que têm sido tomadas no sentido de tentar estimular o setor de microfinanças no país, considera-se que o atual modelo de regulação baseado na regulamentação das SCMs apresenta obstáculos que devem ser superados a fim de alcançar o objetivo de facilitar o acesso do crédito formal  aos microempreendedores. 


 

Abstract

 

The purpose of this work is to analyze the process of regulation of the sector of microfinance in Brazil, based on the regulation of the Societies of Credit to Microentrepreneurs - SCMs, the only specialized institucional form in microfinance in the National Financial System, and that, in sight of this, has its performance regulated and supervised by the Brazilian Central Bank.

 

The regulation of the SCMs has been one of the strategies adopted by the Federal Government in our country to stimulate the generation of job and income for the population that usually is excluded from the traditional financial system, for the microentrepreneurs, who have difficulties in getting financing for its productive activities at the traditional financial institutions.

 

However, despite the governmental measures that have been taken in the direction to try to stimulate the sector of microfinance in our country, it is considered that the current model of regulation based on the regulation of the SCMs presents obstacles that must be surpassed in order to reach the objective to facilitate the access of the formal credit to the microentrepreneurs.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE FIGURAS

 

Figura 1

Motivos da regulação financeira

23

Figura 2

A dupla missão das instituições microfinanceiras

33

Figura 3

Percentual de instituições por tipo institucional no Brasil

62

Figura 4

Evolução do número total de instituições por tipo institucional no Brasil

 

63

Figura 5

Evolução do valor total emprestado (triênio) por tipo institucional no Brasil

 

63

Figura 6

Evolução da quantidade de SCMs em funcionamento no mercado

68

Figura 7

Quantidade de SCMs em funcionamento e autorizadas a funcionar no mercado por Região

 

69

Figura 8

Quantidade de SCMs em funcionamento e autorizadas a funcionar no mercado por Estado da Federação

 

69

Figura 9

Alavancagem por tipo institucional no Brasil

70

Figura 10

Sustentabilidade financeira por tipo institucional no Brasil

71

Figura 11

Sustentabilidade operacional por tipo institucional no Brasil

71

Figura 12

Taxa média de inadimplência por tipo institucional no Brasil

72

Figura 13

Percentual de instituições que trabalham com crédito solidário por tipo institucional no Brasil

 

72

Figura 14

Percentual de aceitação pelas instituições das formas de garantia por tipo institucional no Brasil

 

73

 

LISTA DE TABELAS

 

Tabela1

Diferenças entre o Sistema Financeiro tradicional e o setor de microfinanças

 

32

Tabela 2

Motivações para a criação de um ambiente regulado

39

Tabela 3

Propostas para um modelo de regulação do setor de microfinanças

51

 

ANEXO

 

Principais Leis e normativos relativos a microfinanças e microcrédito no Brasil

89

 

 

 


 

SUMÁRIO

 

1    INTRODUÇÃO

 

2    REGULAÇÃO FINANCEIRA

 

2.1    Regulação: Definição e Teoria

2.2    O Porquê da Regulação em Instituições Financeiras

2.2.1 Externalidades

2.2.2 Informações imperfeitas

2.3    Regulação prudencial e sistêmica

2.4    Aspectos negativos da regulação financeira e desregulamentação 

 

3    MICROFINANÇAS, MICROCRÉDITO E REGULAÇÃO

 

3.1    Conceituação e Diferenciação de Microfinanças e Microcrédito

3.2    Características das Operações de Microfinanças

3.3    Características das Instituições Microfinanceiras

3.3.1 Formas institucionais em microfinanças

3.4  O Porquê da regulação do setor de microfinanças

3.5    Instrumentos de regulação no setor de microfinanças

3.6    Um modelo de regulação do setor de microfinanças

3.6.1 Tipos de regulação

3.6.2 Proposta de um modelo de regulação de acordo com a forma institucional

 

4    MICROCRÉDITO E REGULAÇÃO NO BRASIL

 

4.1    Acesso dos micro e pequenos empreendedores ao Sistema Financeiro Tradicional

4.2    Aspectos da regulação do setor de microfinanças no brasil

4.3    Configuração atual do setor de microfinanças no Brasil

4.4    Sociedades de crédito ao microempreendedor

4.5    Possibilidades e limitações da regulação do setor de microfinanças no Brasil

 

5    CONCLUSÃO E SUGESTÕES PARA UMA NOVA AGENDA DE PESQUISA

Sugestões para uma nova agenda de pesquisa

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INTRODUÇÃO

 

 

As dificuldades sócio-econômicas que vêm enfrentando a população brasileira, em decorrência do aumento de desemprego verificado nos últimos anos e o conseqüente deslocamento dos trabalhadores com carteira assinada para o setor informal da economia, têm exigido dos órgãos governamentais o desenvolvimento de mecanismos que permitam o acesso ao crédito produtivo popular dessa camada da população.

Uma das estratégias adotadas pelo Governo Federal como alternativa à geração de emprego e renda para essa determinada parcela da população é o estímulo ao desenvolvimento de micro e pequenos empreendimentos formais ou mesmo informais.

Como esses empreendedores muitas vezes enfrentam problemas para obter financiamento de capital de giro e capital fixo no sistema bancário tradicional[1] - tendo em vista a exigência de determinadas garantias para sua concessão -, restam-lhes a tentativa de obtê-lo por meios alternativos, recorrendo a agiotas ou mesmo familiares e amigos. Daí a importância das instituições que atuam com microfinanças, especialmente com microcrédito, uma vez que estas instituições procuram desburocratizar os procedimentos de concessão de financiamentos para os microempreendedores, pessoas físicas ou jurídicas, formais ou informais.  

Como forma de suprir a carência do crédito produtivo, organizações não-governamentais - ONGs de diversos países já vêm, há um certo tempo, mobilizando-se. No entanto, a experiência tem mostrado que muitas iniciativas desse tipo fracassam em razão de fatores que podem comprometer a auto-sustentabilidade dessas instituições, como a não-adoção de critérios técnicos para concessão de crédito e prática de juros subsidiadas que não cobrem o custo real dos serviços prestados, além do uso de tecnologia inadequada às especificidades do microcrédito, dentre outros.

No Brasil, essa questão mostrou-se de tamanha importância que, em 1997, o programa Comunidade Solidária[2], de iniciativa do Governo Federal, iniciou uma série de estudos a fim de averiguar as possibilidades ao desenvolvimento do setor de microfinanças no país, resultando na criação de um grupo de trabalho da qual fez parte o Banco Central do Brasil - BACEN.

 

Como resultado desse esforço, foram sancionados Leis e normativos específicos que constituem o marco regulatório do setor de microfinanças no país, e que possibilitaram a criação dos seguintes modelos institucionais capazes de operar nesse setor no país:

 

(a)    ONGs especializadas, cujos juros de suas operações não podem exceder a 12% ao ano, devido a Lei da Usura[3];

(b)   Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs, criadas nos termos da Lei nº 9790, de 23 de março de 1999, que não fazem parte do Sistema Financeiro Nacional e não estão sujeitas à Lei da Usura;

(c)    Sociedades de Crédito ao Microempreendedor - SCMs, criadas pela Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2627, de 02.08.1999, com finalidade lucrativa e cujo objeto social exclusivo é o de conceder crédito produtivo ao microempreendedor, também não restritas às limitações impostas pela Lei da Usura. 

 

Essa regulamentação[4] jurídica contribuiu para que fossem criadas duas importantes instituições no setor de microfinanças brasileiro, as OSCIPs e as SCMs, que são isentas das restrições impostas pela Lei da Usura, ou seja, são autorizadas a cobrar juros superiores a 12% ao ano em suas operações de crédito. A SCM se caracteriza, ainda, por ser uma entidade especializada em microfinanças sob a regulação e supervisão do BACEN.

 

No entanto, apesar das inúmeras medidas governamentais para tentar estimular o setor de microfinanças no país, pode-se afirmar que o atual modelo de regulação baseado na criação das SCMs apresenta obstáculos que precisam ser superados a fim de facilitar, de forma efetiva, o acesso do crédito formal aos microempreendedores. 

 

A presente dissertação, portanto, tem como objetivo analisar o processo de regulação do setor de microfinanças no Brasil com base na regulamentação das SCMs, única forma institucional especializada em microfinanças no Sistema Financeiro Nacional, e que, em vista disso, tem sua atuação regulada e supervisionada pelo BACEN. 

 

Para tanto, está organizada em quatro capítulos. No primeiro capítulo, são abordados, com base na literatura teórica, os motivos da regulação das instituições financeiras, e os instrumentos utilizados com tal propósito. Após uma breve referência à questão da regulação, é feita uma consideração sobre o papel da regulação nas instituições financeiras, em especial ao papel que os bancos comerciais desempenham na economia de um país.

 

O segundo capítulo explora o termo microfinanças, e, como parte integrante deste, o microcrédito e suas características, que permitem diferenciá-lo das políticas de crédito tradicionalmente praticadas nos bancos comerciais. Destacam-se, ainda, a questão da regulação desse setor e os fatores motivacionais que têm levado muitos países o inserirem na pauta de discussões relativas à políticas públicas. Essa análise é importante uma vez que permite diferenciar as razões que motivam a regulação do setor de microfinanças e do setor financeiro tradicional.

 

O terceiro capítulo aprofunda a discussão da questão da regulação de microfinanças no mercado brasileiro, e analisa o modelo de regulação vigente no país, baseado na criação de uma entidade especializada em microfinanças, as SCMs, bem como os principais desafios a serem enfrentados pelo BACEN em seu papel de regulador, de modo a possibilitar o desenvolvimento desse setor no país.

 

Finalmente, no capítulo que trata das considerações finais, busca-se refletir sobre os desafios e limitações do papel do BACEN à luz do modelo atual de regulação do setor de microfinanças.


 

REGULAÇÃO FINANCEIRA

 

 

A atividade bancária é uma das mais reguladas de toda a economia, tendo em vista o papel de principal intermediário financeiro desempenhado pelos bancos no sistema financeiro. As imposições de regras e procedimentos para as atividades dos bancos têm se tornado mais freqüentes, e o agente regulador tem se preocupado em tornar essas instituições mais estáveis para seus depositantes, e, ao mesmo tempo, menos vulneráveis a quebras que poderiam gerar graves prejuízos à economia como um todo.

 

Entretanto, não há consenso no debate teórico acerca da importância da regulação para a estabilidade do sistema financeiro ou mesmo de como deveria ser o modelo de regulação mais adequado para esse sistema. Assim, enquanto algumas análises consideram que as atividades de regulação sejam imprescindíveis para que esse sistema funcione de maneira adequada, outras questionam essas ações, por considerarem que muitas vezes o mercado financeiro deva funcionar sem intervenção de qualquer espécie, uma vez que a intervenção do Estado, como agente regulador, poderia prejudicar sua eficiência.   

 

Neste capítulo são apresentados o conceito de regulação, e posteriormente a abordagem teórica a respeito da regulação nas instituições financeiras, particularmente nos bancos comerciais, em virtude de seu papel de intermediário financeiro mais importante do sistema financeiro.

 

2.1       Regulação: Definição e Teoria

 

            A regulação implica “(...) a limitação da liberdade de escolha privada, dado que se não houvesse a possibilidade de comportamentos danosos serem adotados não haveria a necessidade de proibi-los” (CARVALHO et. al., 2001:323). Ou seja, de um modo geral, a regulação pode ser conceituada como um conjunto de regras impostas pelo Estado aos agentes privados, limitando-os em suas ações e punindo-os, em determinadas situações, em caso de descumprimento dessas regras, sem as quais poderia haver danos à sociedade como um todo.

 

            Por conseguinte, uma adequada compreensão do conceito de regulação deve passar, necessariamente, pela análise do papel do Estado na economia. É notório que nos dias atuais a intervenção estatal tem assumido um papel importante no desenvolvimento das economias capitalistas, e inúmeras são as teorias que discutem as conseqüências que essa intervenção pode acarretar para essas economias.

           

            Evans & Rueschemeyer (1999) lembram que as teorias que defendem a intervenção do Estado consideram-na importantes para as transformações econômicas ocorridas em uma economia capitalista, eis que necessária para sustentar a acumulação de capital.

           

            Um dos argumentos utilizados para defender essa necessidade de intervenção do Estado diz respeito à estrutura de classes vigente, pois, dada uma classe dominante que não tem interesse em transformar os meios de produção, os dirigentes públicos deveriam intervir para controlar essa classe dominante.

 

Outro argumento utilizado é o que se relaciona a formação de oligopólios em determinadas economias. Nesse caso, o Estado teria o papel de tornar o mercado mais competitivo e menos propenso à formação de oligopólios.

 

Dessa forma, o papel do estado assumiria uma importância vital para o crescimento econômico e gerenciamento dos conflitos sócio-econômicos, na medida em que teria como objetivo proteger os agentes econômicos, ao tentar corrigir as imperfeições do mercado.

 

Evans & Rueschemeyer (op. cit.) propõem ainda, que, para uma ação estatal eficiente, é preciso um mínimo de coerência e coordenação dentro e entre as diferentes organizações estatais. Mas que, para tornar as decisões e as relações políticas mais eficazes, o Estado deve descentralizar suas atividades, o que exigiria coordenação e controle das transferências de recursos, além da delegação da tomada de decisões.

 

Diante de tais argumentos, percebe-se como a atividade de regulação é complexa, pois, não apenas se torna importante discutir se há necessidade da intervenção do Estado, mas também qual o modelo de Estado mais adequado para intervir de modo eficiente.

 

Por outro lado, há também os que defendem a idéia de um Estado mínimo, ou seja, pressupõem que uma maior eficiência seria associada a um mínimo de intervenção estatal. Dentro dessa ótica, Velasco Jr. (1997) aponta duas conhecidas abordagens teóricas: a de Buchanan (1975) e a de Olson (1982).

 

Buchanan considerava que o Estado legítimo seria aquele em que os indivíduos são livres para tomar decisões, sem regras formais de comportamento. Desse modo, o objetivo do Estado seria apenas de superar os inconvenientes de possíveis distúrbios causados por essa situação anárquica, protegendo os direitos individuais e garantindo os contratos privados que não possuem garantia de cumprimento.

 

Já para Olson, o Estado mínimo seria válido para as sociedades liberais contemporâneas na medida em que se apresentaria como solução aos problemas de coalizão distributiva. A coalizão distributiva poderia surgir no momento em que apenas alguns grupos pequenos, os chamados grupos de interesse, utilizassem os bens públicos ou privados de forma privilegiada dos demais indivíduos da sociedade, repartindo, porém, os custos igualmente entre outros. Assim, a atuação do Estado seria reduzida ao mínimo possível, em favor do livre funcionamento dos mercados.

 

2.2       O Porquê da Regulação em Instituições Financeiras

 

O setor financeiro é um dos mais regulados da economia, e esse fato pode ser explicado pelos riscos inerentes às atividades das instituições que nele atuam, em especial às atividades dos bancos como intermediários financeiros mais importantes desse setor. Diante disso, o estudo da regulação do sistema financeiro deve passar, necessariamente, pela regulação da atividade bancária.

 

Como lembra Santos (2001), em um mundo sem imperfeições à la Arrow-Debrew, não haveria a necessidade de intermediários financeiros, uma vez que, tanto os agentes superavitários quanto os deficitários teriam todas as condições propícias, inclusive quanto à disponibilidade de informações, de negociar entre si sem a presença de um intermediário.

 

Na literatura econômica, esse fenômeno é conhecido como o paradigma dos mercados perfeitos, ou seja, um mundo sem fricções e indivisibilidades. Esclarece Sobreira (2000) que “A junção do argumento da precedência da poupança[toda decisão de investir é precedida por uma decisão de poupar] com o paradigma dos mercados perfeitos cria um ambiente no qual a intermediação financeira é completamente dispensável” (SOBREIRA, 2000:31).

 

A justificativa neoclássica para a existência da atividade bancária leva em consideração a existência de um mundo imperfeito, de fricções e indivisibilidades e de problemas de ordem informacional (SANTOS, 2001; SOBREIRA, 2000), no qual os bancos captam recursos junto aos agentes econômicos superavitários e os repassam aos agentes deficitários com necessidades de financiamento e investimento, ou seja, os bancos funcionam como intermediários financeiros desses agentes.

 

Quanto à regulação financeira, entretanto, o debate acadêmico está ainda longe de chegar a um consenso, inclusive quanto à forma que esta deveria assumir. De um modo bem resumido, a justificativa central da intervenção do Estado no setor financeiro baseia-se na idéia de que este não consegue produzir, se em livre funcionamento, bens e serviços de uma maneira eficiente e a um custo mínimo possível, em virtude das imperfeições existentes nesse mercado (FABOZZI & MODIGLIANI, 1996).

 

Com relação ao papel da regulação, Goodhart (1998) afirma ainda que:

 

“(...) the case for external regulation (...) depends on the circumstances in which the private sector, left to itself, produces market failure, or at least suboptimal results, which are arguably worse than public sector regulation, even with all the biases and failings that such regulation may entail” (GOODHART et. al., 1998:4).

 

No entanto, uma análise mais detalhada da literatura sobre a regulação financeira permite abordar duas razões principais que justificariam sua necessidade: a presença de externalidades, tanto positivas quanto negativas, e a existência de informações imperfeitas nesses mercados (STIGLITZ, 1993; CARVALHO et. al., 2001).

 

2.2.1        Externalidades

 

Externalidades são “(...) benefícios ou custos envolvidos em uma transação qualquer que não sejam reconhecidos pelos agentes nela diretamente envolvidos.” (CARVALHO et. al., 2001:319). Assim a existência de externalidades nos mercados financeiros seriam uma das justificativas para a regulação na medida em que permite que a sociedade seja beneficiada, no caso de externalidades positivas, ou que não seja prejudicada - no caso de externalidades negativas -, pelas transações entre os agentes privados.

 

As externalidades positivas podem ser resumidas: (a) àquelas relacionadas ao sistema de pagamentos; e (b) às relacionadas às operações de crédito (CARVALHO et. al., op. cit.).

 

O Sistema de pagamentos permite que os agentes privados integrantes desse sistema transacionem operações de transferência de valores significativos baseados em depósitos bancários. Por exemplo, uma operação de abertura de conta no Banco A por um indivíduo X, vai permitir que X faça pagamentos a um indivíduo Y, que fará ao indivíduo Z e assim por diante. Assim, uma operação que inicialmente era privada entre A e X se torna benéfica a vários indivíduos de uma sociedade, benefício este não percebido por A e X.

 

No entanto, para que haja um eficiente sistema de pagamentos, é necessário que haja o cumprimento dos direitos e obrigações firmadas entre as partes. Esse compromisso deve ser baseado em normas coercitivas em consonância com o ordenamento jurídico do país que adota o sistema, para que os agentes envolvidos possam nele confiar e tenham conhecimento acerca dos riscos envolvidos nessas transações financeiras.

 

Outra externalidade positiva diz respeito às operações de crédito. De um modo resumido, a concessão de crédito, nos bancos comerciais, é baseada em um contrato acordado com a parte tomadora do empréstimo, digamos, o indivíduo X - que assegura ao credor – no caso, o banco A – de ter o direito de reaver, numa data futura, o valor emprestado, independentemente da vontade do devedor. O crédito fornecido pode beneficiar X na medida em que seja utilizado em transações que beneficiem outro indivíduo, digamos, Y, e assim por diante. Da mesma forma, indivíduos que inicialmente não seriam beneficiados pela transação privada entre A e X puderam ser pelo fechamento da operação de crédito. 

 

Já as externalidades negativas estariam relacionadas à probabilidade de ocorrência de riscos sistêmicos. O risco sistêmico está relacionado à possibilidade de que a insolvência de uma determinada instituição contamine o sistema financeiro como um todo. Dessa forma, a exposição ao risco de uma instituição poderia não apenas torná-la insolvente, mas também propagar uma reação em cadeia de grandes proporções, o chamado “efeito dominó” ou “efeito cascata”, tornando insolventes outras instituições antes saudáveis.

 

A probabilidade de ocorrência de riscos sistêmicos é maior no sistema financeiro por duas razões principais, interrelacionadas: (a) àquela relativa à interdependência entre os bancos, e (b) a que está baseada na confiança que os depositantes têm na instituição na qual depositaram seus recursos.

 

A primeira razão diz respeito às operações realizadas no mercado interbancário e liquidadas no sistema de pagamentos, que têm como objetivo permitir a alocação de liquidez entre as instituições financeiras. Assim, o banco que necessita de recursos para zerar sua posição de liquidez diária pode valer-se de outra que os tenha em excesso. No entanto, como os bancos operam com ativos – como operações de empréstimo - cuja liquidez geralmente é menor do que seu passivo – como depósitos à vista -, pode haver situações de pouca liquidez que fazem com que determinadas instituições não sejam capazes de honrar seus compromissos, gerando um choque de liquidez e trazendo conseqüências desastrosas para as demais instituições pertencentes ao sistema de pagamentos.

 

A segunda razão está relacionada às incertezas que podem minar a confiança dos depositantes em um determinado banco. Tendo em vista que esses depositantes mantêm seus depósitos mediante a expectativa de um determinado recebimento no futuro, qualquer abalo nessas expectativas pode fazer com que haja uma verdadeira corrida bancária, ao desejarem retirar seus depósitos o mais rápido possível. Essa incerteza pode abalar não apenas a saúde financeira desse banco, tornando-o vulnerável a sucessivos saques, mas também de todos os outros bancos integrantes do sistema, pois os agentes temem por seus recursos e tentam alocá-los em investimentos mais seguros, fora desse sistema.

 

Os mecanismos mais conhecidos como possíveis soluções aos riscos de uma corrida bancária e do chamado risco sistêmico são: (a) o empréstimo de última instância; e (b) o seguro depósito[5].

 

O empréstimo de última instância está relacionado a uma das funções de um banco central e sua abordagem teórica é associada a Bagehot (1873), citado em Santos (2001). O banco central emprestaria ao banco que tivesse problemas de liquidez, mas a taxas altas e por isso mesmo, consideradas punitivas, de modo a fazer com que essa instituição só recorresse a esse empréstimo no caso de uma crise de liquidez, e não em operações de curso normal. Esse empréstimo funcionaria, desse modo, em caráter emergencial a instituições que estivessem sob crises momentâneas de liquidez.

 

Entretanto, não há um consenso quanto à eficácia desse instrumento na literatura acadêmica. Isso porque se considera que os bancos centrais muitas vezes não conseguem distinguir as crises de liquidez dos problemas estruturais dos bancos, recursos públicos podem ser destinados a salvar instituições insolventes.

 

Já o seguro depósito teria como objetivo proteger principalmente os pequenos depositantes, evitando assim um possível abalo à confiança nos bancos e aumentando, desse modo, a estabilidade do sistema como um todo.

 

No entanto, a criação de instrumentos de garantia de depósitos usualmente tem seu alcance limitado, uma vez que não é recomendado para proteger os grandes depositantes. Isso porque esses depositantes são geralmente os mais bem informados a respeito da situação financeira dos bancos e acabam por servir de balizadores da situação das instituições.

 

Além disso, outra limitação diz respeito ao fato de que uma proteção oferecida aos depositantes poderia estimular comportamentos irresponsáveis, pois os tornaria menos cuidadosos ao avaliar os bancos e a alocação de seus recursos. Esse comportamento, conhecido como risco moral (moral hazard), também seria estendido aos administradores da instituição, que poderiam firmar operações mais arriscadas, expondo as instituições, desse modo, a um maior risco, na medida em que uma provável corrida bancária teria menos chances de ocorrer.

 

Na visão de Dewatripont e Tirole (1994), o modelo regulatório das instituições financeiras tem se baseado, proeminentemente, na proteção dos pequenos depositantes por meio de instrumentos como o seguro depósito. Uma vez que parcela considerável dos depósitos bancários tende a ser de pequenos depositantes, que usualmente não tem a habilidade ou interesse suficientes para monitorar a atividade dos bancos ou mesmo entender sua situação financeira pela leitura de balanços ou outros instrumentos, a regulação seria válida no momento em que os tornassem menos desprotegidos dos eventuais riscos inerentes à atividade bancária.

 

Assim, a motivação principal que justificaria a atividade de regulação estaria relacionada à proteção desses depositantes. É a chamada Hipótese da Representatividade, defendida por Dewatripont e Tirole (op. cit.), e cuja argumentação central é a de que os depositantes necessitariam de um representante que agisse em favor de seus interesses - no caso o regulador -, tendo em vista a impossibilidade desses depositantes em obter todas as informações necessárias para monitorar as atividades dos bancos, e pelos altos custos envolvidos nesse processo.

 

Goodhart (1998) analisa os custos envolvidos nesse tipo de monitoramento na ausência de um agente regulador que estabelecesse determinados padrões mínimos de comportamento para as instituições. Assim, o processo de monitoramento pelo qual os depositantes teriam que despender tempo, esforços e recursos supervisionando as atividades dessas instituições envolveria dois tipos de custos: (a) custos sociais duplicados, uma vez que todos os indivíduos estariam envolvidos no mesmo processo; e (b) perda de economia de escala, tendo em vista que esse processo poderia estar sendo realizado por um agente regulador que, ao mesmo tempo, estaria adquirindo experiência e habilidade para estabelecer sistemas eficientes de monitoramento.

 

Na busca de instrumentos mais eficazes para a regulação bancária, o debate teórico atual tem voltado sua atenção para a regulação da estrutura de capital dos bancos. Nesse sentido, o instrumento que tem sido considerado mais eficaz para fortalecer o sistema financeiro como um todo é o que procura adequar essa estrutura de capital com o risco de suas operações[6]; porém há ainda muitas controvérsias a respeito do nível de exigência de capital adequado, de modo a garantir a estabilidade do sistema ao mesmo tempo em que não onere excessivamente os agentes que nele operam.

 

2.2.2        Informações imperfeitas

 

Além da existência de externalidades, o sistema financeiro também pode ser sujeito à falhas relacionadas à informação imperfeita entre os agentes envolvidos nas transações nele praticadas. Sem que haja uma completa disponibilidade de informações, uma das partes envolvidas na transação pode ter acesso a informações privilegiadas, podendo com isso extrair benefícios em detrimento da outra parte.

 

Sendo assim, a parte prejudicada – como exemplo, os clientes das instituições financeiras - não estaria apta a obter todas as informações a respeito da operação firmada com a parte beneficiada – no caso, a instituição financeira.

 

Dessa forma, a regulação se justificaria como um instrumento de proteção da parte prejudicada, e, sem uma regulação apropriada, os acionistas dessas instituições poderiam se sentir motivados a assumir riscos desconhecidos para a maioria de seus clientes, que não teriam como avaliar os riscos e retornos considerados nas transações financeiras, em função da assimetria de informações existente no mercado.

 

Um exemplo de prejuízos decorrentes da existência de informações imperfeitas no setor financeiro e que podem levar aos riscos de uma seleção adversa (adverse selection) é o fenômeno do racionamento de crédito no mercado de crédito ou modelo de Stiglitz e Weiss (STIGLITZ, 1993). Informações imperfeitas podem distorcer os preços praticados nesse mercado, fazendo com que o equilíbrio não seja alcançado quando a oferta igualar a demanda, mas quando a demanda for maior que a oferta.

 

Essa possibilidade surge em decorrência das particularidades envolvidas no mercado de crédito, cujas transações obrigam a parte devedora, tomadora do empréstimo, a pagar determinada quantia, em prazo previamente estipulado, à parte credora, ou seja, à instituição financeira emprestadora. Por conseguinte, aqueles que estão dispostos a tomar os recursos pelas taxas de juros mais altas nem sempre são os que maiores retornos darão à instituição, em virtude dos riscos de inadimplência envolvidos na transação, isto é, da maior probabilidade do tomador de recursos não pagar a quantia prometida na data devida.

 

Esse fato explicaria o motivo de haver racionamento do crédito, mesmo havendo uma demanda por crédito excessiva, porque não interessaria à instituição aumentar as taxas de juros praticadas por acreditar que com isso, a probabilidade de inadimplência dos tomadores também aumentaria. Logo, a taxa de juros de equilíbrio seria aquela que maximizaria o retorno esperado do emprestador, havendo, nesse ponto, um excesso de demanda por crédito.

 

Esse modelo se baseia na hipótese de que a existência de informações imperfeitas no mercado financeiro impede que os bancos diferenciem os bons e os maus pagadores, isto é, aqueles que têm maior probabilidade de saldar sua dívida e os que não têm.

Assim, em virtude da indisponibilidade de informações, os bancos não teriam a capacidade de visualizar a real probabilidade de sucesso ou fracasso dos empreendimentos e todos os projetos teriam o mesmo valor esperado. A taxa de juros funcionaria como um sinalizador para os bancos da qualidade dos tomadores (screening device), na medida em que os bons tomadores não estarão dispostos a pagar uma alta taxa de juros tendo em vista a alta probabilidade de inadimplência, ao contrário dos maus tomadores, que estarão dispostos a pagar taxas de juros mais altas pelos mesmos motivos.

Sendo assim, os bancos sabem que quanto mais elevadas as taxas de juros, menor a qualidade média dos tomadores de empréstimos, ocorrendo desse modo o mecanismo de seleção adversa frente à ocorrência de informações imperfeitas, pois há uma discriminação de potenciais tomadores de empréstimo.

            A figura 1 a seguir ilustra os principais motivos da regulação financeira, conforme discutido nesta seção:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 1      Motivos da Regulação Financeira

 

 

2.3      Regulação prudencial e sistêmica

 

A regulação prudencial vem sendo privilegiada na comunidade internacional de forma bastante enfática, com o objetivo de prevenir possíveis riscos sistêmicos no mercado financeiro. Isso porque um dos efeitos da globalização e da internacionalização nos mercados financeiros tem sido o aumento da responsabilidade dos órgãos reguladores, pois, com a velocidade das informações em nível mundial, a eventualidade de uma crise sistêmica deixa de ser apenas o problema de um país, mas um problema que pode afetar vários países.

 

Logo, o desafio para os Estados com relação a essa internacionalização dos mercados financeiros é justamente o de coordenar e aperfeiçoar os mecanismos da regulação prudencial, com o objetivo de tentar manter a estabilidade desses sistemas não só em nível local, mas também em nível global.

 

Nesse sentido, a regulação prudencial pode ser definida como o estabelecimento de normas, tanto em nível local como em nível global, que visa estabelecer medidas de prevenção e minimização de riscos das operações praticadas no sistema financeiro. Possui caráter protecionista no sentido de que sua preocupação principal é a de resguardar a solidez do sistema financeiro, mas, em última análise, visa resguardar os depositantes das instituições que atuam nesse sistema.

 

Assim, a regulação prudencial seria então justificada pelo fato de que as instituições financeiras não estão aptas a avaliar as conseqüências de suas operações para a sociedade, e de que seus clientes não possuem todas as informações necessárias para monitorar as atividades dessas instituições. Torna-se então responsabilidade do Estado intervir para garantir a continuidade dessas operações sem a tomada de riscos excessivos.

 

Torna-se útil neste momento a distinção entre regulação prudencial e sistêmica. Goodhart (1998) afirma que, embora ambas tenham objetivos semelhantes, diferem em alguns aspectos. Por exemplo, a regulação sistêmica se preocupa com a segurança e a solidez das instituições financeiras na medida em que os custos sociais de uma falha no mercado ocasionada pela quebra de alguma instituição, em especial um banco, excedem os custos privados. A regulação sistêmica estaria, assim, relacionada aos riscos sistêmicos inerentes à atividade bancária, tendo em vista os bancos estarem sujeitos a corridas bancárias e ao risco de contágio que pode atingir outras instituições no mercado e prejudicar toda a economia.

 

Do contrário, a regulação prudencial poderia ser adotada mesmo sem os riscos de uma crise sistêmica, o que ocorre com outros tipos de mercado que não o financeiro, como o de seguros, na qual os clientes também não são considerados aptos a julgar o grau de solidez das instituições com as quais estão lidando. Kumar (2003) adverte ainda que a regulação prudencial é mais complexa, pois necessita de instrumentos de supervisão igualmente eficazes para sua implementação, sem os quais tornar-se-ia inócua.

 

2.4      Aspectos negativos da regulação financeira e desregulamentação 

 

Há na literatura acadêmica um amplo debate acerca dos efeitos negativos da regulação do setor financeiro e de sua desregulamentação. Como bem lembra Goodhart et. al. (1998), os autores que pregam essa idéia acreditam que a existência dos bancos não justificaria, por si só, a necessidade da regulação. Pelo contrário, atribuem ainda aos problemas observados em diversos países relativos a quebras de bancos, dentre outros relacionados ao sistema financeiro, os excessos provocados por modelos de regulação inapropriados, sendo então a liberalização do mercado a solução para todos esses males.

 

Isso ocorreria porque a imposição da regulação em um determinado mercado tornaria mais fracos os incentivos dos acionistas e dos administradores das instituições financeiras, assim como seus clientes, em monitorar as atividades ocorridas nesse mercado de acordo com suas expectativas. Assim, a imposição de regras inapropriadas causaria distorções na economia e faria com que o mercado funcionasse de uma maneira pior do que aquela em uma situação sem regulação.

 

De fato, sendo o agente regulador suscetível a falhas, é compreensível que a regulação não elimine totalmente a probabilidade de quebras bancárias ou outros riscos, inclusive porque se tornaria inviável os altos custos envolvidos em um modelo regulatório que coibisse totalmente as falhas de mercado.

 

Llewellyn (1996), citado em Goodhart (1998), indica algumas das conseqüências negativas de uma regulação altamente prescritiva e cerceadora:

 

(a)                           uma regulação altamente prescritiva pode trazer insegurança ao mercado, ao ser considerada excessivamente rigorosa e redundante;

(b)                           riscos são considerados muito complexos para serem controlados apenas por imposição de regras;

(c)                           demonstrações financeiras espelham apenas a situação estática da instituição, embora sua situação mude constantemente ao longo do tempo;

(d)                           um modelo regulatório muito inflexível poderia fazer com que as instituições se sentissem menos motivadas a inovar em suas operações e instrumentos financeiros;

(e)                           na busca de uma neutralidade competitiva – o que significa que a regulação deve ser planejada de modo a evitar distorções no grau de competição do mercado -, o modelo regulatório pode estabelecer as mesmas regras para instituições de tipos diferentes e negligenciar suas especificidades.

 

Quanto à desregulamentação, argumenta Sobreira (2000) que existem dois grandes grupos de propostas de desregulamentação financeira na literatura econômica convencional. A primeira proposta está relacionada às políticas repressivas de países menos desenvolvidos, que são caracterizadas pelo estabelecimento de tetos máximos de juros às operações de crédito ou outros ativos financeiros.

 

Já a segunda proposta estaria ligada mais fortemente aos países desenvolvidos, e prega a eliminação ou flexibilização de certos controles ou barreiras considerados nocivos ao adequado funcionamento dos intermediários financeiros, que teriam assim melhores condições de estruturar suas operações e transferir de um modo mais eficiente os recursos dos poupadores para os investidores.

 

Ao contrário da corrente que prega a liberalização dos mercados financeiros, Stiglitz (1993) acredita que um aparato regulatório bem planejado pode contribuir para a diminuição considerável de ocorrências que possam comprometer a estabilidade do sistema financeiro e parte do pressuposto de que os argumentos que defendem a liberalização são baseados fundamentalmente em compromissos de caráter ideológico e não possuem fundamentação teórica:

 

“(...) much of the impetus for liberalization of financial markets is not based on a sound economic understanding either of how financial markets work or of the potential scope for government interventions (...) it is based on an ideological commitment to markets (...)”  (STIGLITZ, 1993:2).

 

 E ainda, que

 

 “(...) financial markets are markedly different from other markets; (...) market failures are likely to be more pervasive in these markets; and (...) there exists forms of government intervention which will not only these markets function better, but which will improve the overall performance of the economy” (STIGLITZ, op. cit.).

 

Conforme mencionado anteriormente, o modelo de racionamento de crédito proposto por Stiglitz e Weiss, permite concluir que a liberalização financeira, por si só, não equilibraria a poupança e o investimento, uma vez que, num determinado patamar, os bancos não estariam dispostos a aumentar a taxa de juros, tendo em vista as restrições de ordem informacional (SOBREIRA, 2000). 

 

Enfim, como bem lembra Chavez e Gonzalez-Vega (1992), citado em Martins et. al. (2002), a teoria econômica não dispõe de padrões objetivos para determinar o grau ótimo de regulamentação financeira, visto que este grau pode variar no tempo e no espaço, pois países diversos poderão necessitar de diferentes graus de regulamentação em um determinado momento, e um mesmo país necessitará de diferentes graus de regulamentação em momentos distintos.

 

MICROFINANÇAS, MICROCRÉDITO E REGULAÇÃO

 

3.1       Conceituação e Diferenciação de Microfinanças e Microcrédito

 

O microcrédito vem sendo considerado em muitos países uma alternativa de geração de ocupação e renda para os segmentos mais pobres da população, tendo sua importância crescido entre as atuais estratégias governamentais de redução à pobreza e exclusão social.

 

Embora os impactos na redução da pobreza e melhoria nas condições de vida sejam difíceis de mensurar, experiências ocorridas em vários países ao redor do mundo[7] têm demonstrado que esses impactos podem ser considerados extremamente positivos.

 

Quanto aos objetivos dos programas de microcrédito, uma análise da literatura pertinente ao tema permite identificar duas correntes de pensamento: por um lado, a corrente denominada desenvolvimentista prega que os esforços do programas de microcrédito devem estar voltados estritamente para o combate aos problemas estruturais que levam à pobreza. Nesse sentido, as instituições de microcrédito deveriam, além de fornecer crédito à população mais carente, fornecer também outras formas de apoio ao microempreendedor, como capacitação técnica e suporte à comercialização do produto, privilegiando, desse modo, uma atividade de caráter social. Por outro lado, a corrente denominada minimalista prega que as instituições de microcrédito só poderão atender seus objetivos e serem consideradas economicamente viáveis se forem de fato auto-sustentáveis (LEDGERWOOD, 1998).

 

Nesse ponto, torna-se importante diferenciar conceitualmente microfinanças de microcrédito. Enquanto o microcrédito limita-se ao ato de emprestar, de conceder recursos próprios ou de terceiros, o conceito de microfinanças abrange outros serviços financeiros, como captação de poupança, seguro, leasing, cartão de crédito, dentre outros. Logo, o termo microfinanças é mais abrangente que o microcrédito, pois o microcrédito consiste na “(...) concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais. É um crédito destinado à produção (capital de giro e investimento) e é concedido com o uso de uma metodologia específica.”[8] Ou seja, o microcrédito pode ser entendido com uma parte – considerada a mais importante – do setor de microfinanças, e que adota uma metodologia de crédito diferenciada da praticada nas demais instituições financeiras.

 

Além disso, pode-se afirmar que o microcrédito está mais voltado para atender um objetivo social específico, o de incrementar as atividades dos microempreendedores, e, conseqüentemente, estimular a geração de renda e diminuição da pobreza. Já o setor de microfinanças trata de facilitar o acesso ao sistema financeiro das pessoas menos favorecidas economicamente e que geralmente são excluídas do sistema financeiro tradicional, não estando diretamente relacionado à melhoria de suas condições de vida em um longo prazo, como proposto pelo microcrédito.

 

Em resumo, pode-se concluir que, embora ambos os termos estejam relacionados à oferta de crédito de pequenos valores a determinados segmentos da sociedade, com dificuldades de acesso aos produtos disponibilizados pelo sistema financeiro tradicional, a principal diferença entre microcrédito e microfinanças reside no fato de que o microcrédito é inteiramente voltado para o crédito produtivo, ao contrário do termo microfinanças, que não se relaciona a crédito com uma destinação específica, como é o caso do microcrédito.

 

 

 

 

 

3.2       Características das Operações de Microfinanças

 

As características que, de um modo geral, permitem diferenciar as operações microfinanceiras, e, em particular, as operações de microcrédito, das demais operações financeiras firmadas nos moldes tradicionais são as seguintes[9]:

 

(a)    Ausência de garantias reais

 

Como o público-alvo formado pelos tomadores finais usualmente não dispõe de bens que possam servir de garantias, surgem duas alternativas, adaptadas às possibilidades financeiras do cliente: a do aval solidário e a do fiador/avalista. O aval solidário consiste na união de um número reduzido de pessoas, o chamado Grupo Solidário, que desejam obter o crédito, e, para isso, assumem a responsabilidade solidária pelo pagamento dos empréstimos de todos os integrantes do grupo, no caso de inadimplência.

 

Por esse motivo, considera-se que a formação de grupos desse tipo resulte em baixos níveis de inadimplência por incentivar a confiança mútua e a interação entre seus membros. E ainda, muitos autores argumentam (MORDUCH, 1999; KUMAR, 2003) que modelos de concessão de crédito baseados em Grupos Solidários reduzem os riscos de informação imperfeita ou assimétrica, por aumentar a capacidade de informação que um emprestador tem do tomador; e também reduzem os riscos de seleção adversa, pois os potenciais tomadores não terão incentivos em fazer com que haja, no Grupo, maus tomadores, pois isso poderia prejudicar todo o Grupo.

 

Outra alternativa a exigências de garantias é a apresentação, de forma individual, de um fiador/avalista por parte do tomador, que apresente as condições estabelecidas pela instituição.

 

 

 

 

(b)   Presença do Agente de Crédito

              

            Outra característica fundamental à concessão do crédito nesse setor é a presença do agente de crédito, técnico que se torna um elo de ligação entre o tomador final e a instituição emprestadora, pois percebe suas potencialidades, acompanha e fornece capacidade técnico-gerencial, em suma, é responsável por conhecer, de fato, o cliente.

 

            A presença do agente de crédito é essencial para a concessão do crédito, pois muitas vezes o tomador não possui informações ou conhecimentos técnicos suficientes para que o crédito seja adequadamente utilizado em seu empreendimento. Por isso, é de fundamental importância que o crédito seja concedido de forma assistida, pelo agente de crédito, que por meio de entrevistas com os tomadores em potencial em seu próprio local de trabalho, buscam diagnosticar a situação financeira do tomador e dimensionar a viabilidade do crédito que será concedido.

 

(c)    Flexibilidade quanto à Concessão de Crédito

 

            As operações realizadas no âmbito das microfinanças e a concessão de microcrédito possuem maior flexibilidade de modo a se adaptarem às características de seu público-alvo, como: concessão de empréstimos de pequenos valores com prazos curtos de vencimento, possibilidade de renovação de empréstimos de forma mais flexível e aumento dos valores dos empréstimos de acordo com a capacidade de pagamento do tomador até o limite estabelecido pela política de crédito da instituição emprestadora.

 

(d)   Baixos custos transacionais em contrapartida a altos custos operacionais

 

            O cliente que decide tomar empréstimos de pequenos valores se depara com a grande dificuldade de tentar reduzir ao máximo os custos da transação. Para que isso ocorra, várias medidas devem ser levadas em consideração pelo emprestador, como a redução de exigências e requerimentos para a concessão do empréstimo e do prazo existente entre a solicitação e a entrega do crédito.

 

Por outro lado, a instituição precisa, ao mesmo tempo, manter seus custos operacionais em um patamar que garanta sua sustentabilidade. Como os custos operacionais incorridos nas operações de microfinanças e microcrédito, são, muitas vezes, elevados em decorrência de suas especificidades, as taxas de juros cobradas nessas operações podem, porventura, alcançar níveis maiores que aqueles cobrados por outras instituições financeiras (LEDGERWOOD, 1998; JANSSON & WENNER, 1997).

 

A tabela 1 demonstra as principais características que permitem diferenciar as atividades microfinanceiras das atividades financeiras tradicionais, na visão de Jansson & Wenner (1997), como: (a) metodologia na concessão do crédito; (b) composição da carteira de empréstimos; e (c) características das instituições microfinanceiras.

 

ÁREA

SISTEMA FINANCEIRO TRADICIONAL

MICROFINANÇAS

Metodologia para Concessão de Crédito

(a)    Baseado em garantias

(a)    Baseado nas características do tomador

(b)    Muita documentação formal

 

(b)    Documentação formal reduzida ao mínimo

(c)    Menos trabalho intensivo

(c)    Mais trabalho intensivo

Carteira de Empréstimos

(a)    Volume menor de empréstimos

(a)    Volume maior de empréstimos

(b)    Valores altos de empréstimos

(b)    Valores baixos de empréstimos

(c)    Menor volatilidade

(c)    Maior volatilidade

(d)    Garantias colaterais

(d)    Sem garantias colaterais

(e)    Prazos longos de vencimento

(e)    Prazos curtos de vencimento

Características da Estrutura das Instituições Reguladas

(a)    Maximização de lucros como objetivo principal

(a)    Maioria não tem fins lucrativos

(b)    Criação por transformação de instituições reguladas

(b)    Criação por tranformação de ONGs

(c)    Organizações centralizadas com agências localizadas em áreas predominantemente urbanas

(c)    Pequenas unidades descentralizadas em áreas com pouca infraestrutura

Tabela 1     Diferenças entre o Sistema Financeiro Tradicional e o Setor de Microfinanças

Fonte:JANSSON & WENNER (1997).(Com adaptações)

 

3.3       Características das Instituições Microfinanceiras

 

Segundo Ledgerwood (1998), as instituições de microfinanças - IMFs, de uma maneira geral, e, em especial as que realizam microcrédito, possuem como objetivos: (a) a redução da pobreza; (b) o fortalecimento de grupos minoritários, como o de mulheres pobres; (c) a criação de empregos; (d) a ajuda aos pequenos empreendedores a fortalecer seu negócio ou mesmo diversificar suas atividades; e (e) e o estímulo ao desenvolvimento de novos pequenos negócios.

 

Otero et. al.(1998) afirma que as IMFs possuem uma dupla missão, tendo em vista que devem combinar tanto os objetivos de cunho social quanto os econômicos. Assim, a missão social consistiria em ofertar produtos e serviços financeiros à maior parcela possível da população de baixa renda; e a missão financeira estaria relacionada à auto-sustentabilidade da organização, que permite a continuação da prestação desses serviços sem o auxílio de doações ou subsídios.

 

De acordo com o tipo de missão que possuem, as IMF podem ser classificadas em três categorias, conforme demonstra a figura a seguir (OTERO et. al., op. cit.).:

 

 


Atendimento aos clientes                                 Lucratividade

 

 

Figura 2     A dupla missão das instituições microfinanceiras

Fonte:Otero et. al.(1998).

 

 

A Figura 2 representa a dupla missão das IMFs: a categoria descrita na esfera “Atendimento ao cliente” representa a missão do ponto de vista social, isto é, o número de clientes atendidos e a melhoria do nível sócio-econômico desses clientes. Enquadram-se nessa categoria as instituições cujo sucesso é medido pelo número de clientes atendidos, como as organizações não-governamentais. A esfera “Lucratividade” representa os retornos obtidos com as operações realizadas por essas instituições. Nessa categoria estariam instituições interessadas em atuar em microfinanças com o objetivo de lucro.

 

Já a intersecção entre as duas esferas representa a dupla missão das IMFs que se torna imprescindível para sua existência no longo prazo: manter níveis lucrativos que garantam sua auto-sustentabilidade, e, ao mesmo tempo, conquistar e manter clientes, oferecendo-lhes serviços financeiros que possam melhorar suas condições de vida. Otero et. al.(op. cit.) enfatiza que esses dois objetivos, entretanto, não são mutuamente excludentes, ou seja, há a real possibilidade de que a instituição seja bem sucedida operando com as parcelas mais carentes da população, e, ao mesmo tempo, obter níveis satisfatórios de lucratividade. 

 

Ainda na visão de Otero et. al. (op. cit.), a dificuldade em cumprir essa dupla missão pode estar relacionada ao tipo de estrutura corporativa e à sua administração. O tipo de estrutura da instituição determinaria o grau de dificuldade a ser enfrentado para que essa dupla missão fosse cumprida.

 

3.3.1    Formas institucionais em microfinanças

 

Otero et. al.(op. cit.) classifica as IMF de acordo com sua estrutura organizacional. Assim, uma IMF pode ser definida basicamente em quatro tipos: Instituições do Setor Público, Instituições sem fins lucrativos, Instituições com fins lucrativos e Credit Unions[10].

 

As Instituições controladas pelo Setor Público conseguem atuar no setor de microfinanças, de um modo geral, por meio da criação de carteiras especializadas dentro de bancos comerciais de cujo capital o Setor Público participe de forma majoritária.

Nesse caso, a administração deve procurar criar mecanismos que permitam conhecer de fato o setor e suas especificidades, para que não sejam mantidas as exigências usualmente praticadas na concessão de crédito tradicional, que podem dificultar a expansão da Instituição nesse setor.

 

As Instituições sem fins lucrativos são ONGs cuja estrutura não prevê donos, sendo seus recursos recebidos de doadores, como fundações privadas, órgãos multilaterais internacionais, agências governamentais de ajuda externa, e até mesmo doações individuais. Por ser uma sociedade sem fins lucrativos, sua missão deve estar claramente definida para que os doadores se sintam confiantes em saber como os recursos estão sendo aplicados. Dessa forma, a administração deve possuir um alto comprometimento com a missão institucional; caso contrário, poderá haver alta rotatividade do quadro administrativo ao menor sinal de dificuldades financeiras da instituição, o que pode se tornar um obstáculo para o cumprimento da dupla missão.

 

As Instituições com fins lucrativos que desenvolvem atividades em microfinanças podem tanto incluir os bancos comerciais ou outras instituições financeiras voltadas para a concessão de crédito do modo tradicional, quanto instituições originalmente criadas para atuarem como ONGs e que foram transformadas em instituições financeiras com fins lucrativos. No caso das primeiras, são geralmente criadas subsidiárias ou carteiras especializadas em atividades voltadas para esse tipo de atividade, com a intenção de fazer com que o retorno dos investimentos aplicados nesse tipo de operação seja o mais rentável possível.

 

Quanto ao caso das ONGs transformadas em instituições com fins lucrativos, seria aconselhável averiguar os motivos que levaram à essa transformação e as intenções dos novos investidores, de forma a identificar a real estrutura administrativa, se está de fato integrada à missão institucional e se atende aos objetivos desses investidores.

 

Finalmente, uma última forma prevista para as instituições financeiras seriam as credit unions, a quem é permitida, em alguns países, a captação de recursos via depósitos dos clientes. Com relação a este tipo de instituição, Otero et. al. (op. cit.) alerta que muitos erros costumam ser cometidos e que podem inviabilizar o cumprimento da dupla missão, como falta de alinhamento dos objetivos da administração com os objetivos dos associados, dentre outros.

 

Outra classificação das IMFs que tem se tornado cada vez mais difundida na literatura sobre microfinanças é aquela que leva em consideração a estrutura de seu passivo. Assim, conforme classificação adotada por Gallardo et. al. (1998), citado em Staschen (1999), há três categorias básicas na qual enquadrar uma IMF, de acordo com a estrutura de seu passivo: A, B e C.

 

A categoria A compreende todas as instituições que dependem de recursos de terceiros para financiar suas operações. Esses recursos vêm geralmente de doações feitas por organismos multilaterais, órgãos governamentais ou mesmo repasses feitos por linhas de crédito em determinados bancos comerciais. São incluídas nesta categoria as instituições que atuam somente com crédito produtivo, ou seja, as instituições de microcrédito.

 

A categoria B inclui as instituições que captam recursos exclusivamente de seus membros, como as credit unions e as cooperativas de poupança e crédito.

 

Finalmente, a categoria C representa as instituições a quem é permitida a captação de recursos via depósitos do público para financiar suas atividades. Incluem-se ainda, nesta categoria, os bancos comerciais que possuem carteiras especializadas em microfinanças.

 

Essa classificação segundo a estrutura dos passivos tem sido considerada a mais adequada para fins de análise quanto ao modelo de regulação proposto pelas autoridades governamentais, tendo em vista sua relação mais direta com a análise dos riscos a que estão sujeitas as IMFs. Isso porque tem se tornado um consenso a idéia de que a autoridade reguladora deve levar em consideração os riscos a que estão expostas as IMFs, e que estes devem ser analisados com base nas particularidades do setor, que o tornam diferentes do setor financeiro tradicional (STASCHEN, 1999).

 

3.4  O Porquê da regulação do setor de microfinanças

 

Foram analisados em capítulo precedente as razões para se justificar a regulação das instituições financeiras. De uma forma bastante resumida, pode-se afirmar que o objetivo fundamental da regulação financeira é promover acumulação de capital e alocação de recursos adequadas, e, ao mesmo tempo, manter a solidez das instituições financeiras, por meio de restrições quanto à exposição de riscos. Desse modo, espera-se que uma atividade regulatória eficiente reduza a probabilidade de ocorrência de crises sistêmicas no sistema financeiro como um todo (JANSSON e WENNER, 1997).

 

A importância da regulação financeira também está fortemente fundamentada na idéia de proteger os depositantes das instituições que atuam no sistema financeiro. Isso porque, sem uma regulação governamental apropriada, os acionistas dessas instituições poderiam se sentir motivados a assumir comportamentos oportunistas e tomar riscos desconhecidos para a maioria desses clientes, em função da assimetria de informações existente no mercado financeiro.

 

Entretanto, os motivos que levam à regulação das instituições financeiras não parecem ser tão óbvios quanto aos que se referem às IMFs (JANSSON & WENNER, op. cit.). Tendo em vista que são características do setor um grande número de clientes e uma participação pequena no sistema financeiro em virtude dos baixos valores das operações, o risco de uma crise sistêmica em decorrência da insolvência de uma IMF, por exemplo, seria ínfimo se comparado ao de outra instituição financeira, principalmente um banco, na mesma situação, ou mesmo nulo.

 

Todavia, uma situação de insolvência em uma determinada IMF poderia suscitar desconfiança dos tomadores em relação às IMFs como um todo, o que, em razão de uma possível reação em cadeia, poderia trazer prejuízos para o setor e em especial para os investidores dessas IMF ou clientes, principalmente se estes forem também depositantes dessas instituições, causando uma eventual crise subsistêmica, isto é, dentro do próprio setor (JANSSON e WENNER, 1997; CHRISTEN e ROSENBERG, 1999).

 

Há também fatores que contribuem para a incredulidade quanto à eficácia da regulação do setor de microfinanças. Primeiro, porque como o total de ativos nesse setor é pequeno em comparação ao total de ativos do setor financeiro como um todo, pode parecer que as autoridades governamentais não teriam uma preocupação com a proteção dos depositantes destas instituições, ao contrário dos depositantes das demais instituições financeiras.

 

Outro fator é a possibilidade de muitas autoridades reguladoras não estarem ainda familiarizadas com as especificidades das atividades de microfinanças, ou mesmo não disporem de tecnologia adequada para supervisionar essas atividades, podendo com isso tornar a regulação desse setor pouco eficaz.

 

As atividades de regulação e supervisão do setor parecem ter se tornado mais importantes na medida em que muitas ONGs, que geralmente são as pioneiras em atuar nesse setor, decidiram se transformar em IMFs (JANSSON & WENNER, 1997). E, diante do número crescente de instituições que atuam nesse setor e do aumento substancial da complexidade de suas operações e do número de clientes, a regulação se torna igualmente complexa (OTERO et. al., 1998).

 

Essa complexidade do processo de instauração de um ambiente regulado no setor de microfinanças também se traduz em um ambiente de conflito de interesses, pois é marcado por diferentes motivações dos agentes envolvidos, conforme demonstrado na Tabela 2:

 

 

 

 

 

 

AGENTES

MOTIVAÇÕES PARA UM AMBIENTE REGULADO

Doadores

(a)    Padronização que serve para fortalecer as instituições

(b)   Promoção e integração do microfinanças no sistema financeiro formal

(c)    Desenvolvimento das instituições de microfinanças

Autoridades Reguladoras

(a)    Controle e segurança do sistema financeiro

(b)   Proteção do sistema de pagamentos e dos poupadores

(c)    Resposta mais confiável para as exigências dos doadores

Instituições de Microfinanças

(a)    Promoção do setor do microfinanças e de suas características junto ao sistema financeiro

Organizações não-governamentais

(a)    Maior acesso a fontes de financiamento do governo

(b)   Reconhecimento e legitimidade perante o mercado financeiro

(c)    Estabelecimento de barreiras à entrada de competidores

Tabela 2    Motivações para a criação de um ambiente regulado

Fonte: www.bndes.gov.br (com adaptações)

 

Uma análise da literatura sobre o tema permite identificar três principais motivos que levam às autoridades governamentais a se preocuparem em regular o setor de microfinanças:

 

(a)    Proteção dos depositantes

 

Quando às IMFs é permitida a captação de depósitos do público, a regulação se justificaria na medida em que teria como objetivo proteger esses depositantes de comportamentos oportunistas por parte dos donos das IMF e de assimetria de informações no mercado, à semelhança do que ocorre com as demais instituições financeiras.

 

Todavia, esses argumentos parecem não levar em consideração que à maioria das IMFs ainda não é permitida a captação de recursos via depósitos do público. Nesse caso, muitos autores (STASCHEN, 1999; CHRISTEN & ROSENBERG, 1999; KUMAR, 2003) afirmam que tem se tornado um consenso a idéia de que as IMFs que não captam depósitos do público não necessitam ser submetidas à regulação prudencial dos órgãos governamentais.

 

Assim, a regulação não seria necessária, mesmo que a intenção fosse a de fazer com que os doadores e financiadores dessas instituições se sentissem mais seguros, pois os custos de estabelecer um modelo regulatório para o setor poderiam superar os benefícios. Nesse sentido, na opinião de Rosales (2000),

 

“O perigo para as Superintendências de Bancos ou Bancos Centrais de regular e/ou supervisionar instituições que não captam depósitos do público, estão relacionados à sua transformação em sujeitos de crédito privilegiados (...), recebendo seus credores e doadores (...) uma sorte de garantia implícita do Estado. Por outro lado, os referidos organismos públicos deslocam recursos e pessoal escassos” (ROSALES, 2000:19).

 

A alternativa proposta por Rosales (2002), citada em Martins et. al. (2002), é a de que essas IMFs que não captam recursos do público deveriam se submeter a um regime de auto-regulamentação, voltado especificamente para (a) o fortalecimento dos mecanismos de governança; (b) à especialização nas operações de crédito; e (c) ao controle externo por parte de credores, doadores e auditores.

 

Para Kumar et. al. (2003), no entanto, a regulação dessas instituições teria como objetivo

 

(...) preventing abuses in the industry, and also at promotion, through greater transparency. Indeed protection against abusive lending (...) can be particularly relevant for institutions such as MFIs.(KUMAR et. al., 2003:84)

 

Berenbach e Churchill (1997), citado em Martins et. al. (2002), acrescenta ainda outros fatores que podem motivar a regulação das IMF que não captam recursos do público: a necessidade de proteção dos recursos públicos e a promoção de uma “curva de aprendizado”.

 

A proteção dos recursos públicos seria necessária na medida em que muitas IMFs têm acesso a linhas de repasse, subsídios ou doações possibilitadas por recursos públicos. A regulação, então, teria como objetivo assegurar o seu uso de forma ética e eficiente. No entanto, como bem lembra Martins et. al. (op. cit.), alguns autores argumentam que tanto as entidades fornecedoras desses recursos quanto as IMFs que os recebem deveriam garantir seu bom uso, independentemente da regulamentação a respeito. Dessa maneira, a regulação poderia suscitar comportamentos indisciplinados caso essa responsabilidade de monitoramento coubesse somente às autoridades reguladoras.

 

Quanto à promoção da “curva de aprendizado”, os motivos que podem levar as autoridades reguladoras a regulamentarem IMFs que não captam recursos do público estão relacionados a um processo de aprendizado pelo qual essas instituições teriam que adaptar sua estrutura societária, capacidade gerencial e disciplina financeira até que se tornem aptas a captar, de forma segura, recursos do público. Assim, a regulação teria como objetivo preparar as IMFs até que estas se tornem maduras o suficiente para que sejam autorizadas a realizar esse tipo de operação.

 

(b)   Alocação de recursos

 

Esse argumento se baseia na idéia de que há necessidade de uma melhor alocação de recursos na sociedade, por meio da diminuição da desigualdade de renda entre seus membros. Essa alocação de recursos deve, então, ser imposta, pois as instituições financeiras tradicionais, e em especial os bancos, não teriam interesse em fornecer produtos e serviços financeiros à camada mais pobre da população.

 

Assim, a regulação teria a importante missão social de incentivar o desenvolvimento do setor de microfinanças ao estabelecer uma série de regras e procedimentos para manter a solvência e a sustentabilidade das instituições que nele atuam. Nessa visão, o incentivo ao desenvolvimento desse setor pela regulação poderia beneficiar o tomador final que usualmente não tem acesso ao sistema financeiro tradicional.

 

No entanto, Ledgerwood (1998) afirma que uma política de alocação de recursos imposta de maneira equivocada pelas autoridades governamentais pode gerar distorções no setor de microfinanças. Em alguns países, a alocação de recursos para os segmentos mais pobres da população se traduziria em uma imposição para que determinados tipos de instituições financeiras, como bancos comerciais, destinem um certo percentual de sua carteira de crédito para atender aos segmentos mais pobres da população ou a determinados setores da economia, como as atividades produtivas dos microempreendedores do setor informal.

 

Essas distorções surgiriam no momento em que a atuação dos bancos comerciais perturbasse o desenvolvimento das instituições que já atuavam no setor no momento da imposição, devido à possibilidade de concorrência desleal pela oferta excessiva de crédito no mercado. Na visão da autora,

 

“For the most part, sectoral allocations do not work well because there are no incentives for commercial banks to participate. Many prefer to pay a penalty rather than meet their obligations. Rather than mandating credit allocations, governments should be encouraged to focus their policies on increasing outreach to the poor by creating enabling regulatory environments and building institutional capacity” (LEDGERWOOD, 1998:19).

 

Enfim, esse fato mostra que, assim como em outros setores da economia, se as atividades de regulação e supervisão não forem conduzidas da maneira correta, mudanças no aparato regulatório podem trazer efeitos negativos para o setor de microfinanças, causando obstáculos ao seu desenvolvimento.

 

(c)    Desenvolvimento das IMFs

 

Outro argumento muito difundido na literatura sobre o tema é o de que muitos governos decidem regular o setor de microfinanças por acreditarem que esse processo pode acelerar o desenvolvimento do setor ao estimular o desempenho das instituições que nele atuam, e, conseqüentemente, atrair a confiança dos doadores ou investidores e aumentar os recursos de captação (SCHONBERGER, 2001).

 

Dessa forma, as IMFs, ao terem seu desempenho estimulado pela regulação, poderiam se sentir motivadas a inovar e ampliar o rol de produtos e serviços financeiros, bem como melhorar sua qualidade, tornando assim viável sua auto-sustentabilidade.

 

Entretanto, como bem lembra Schonberger (op. cit.), não há ainda um consenso acerca da eficácia dos mecanismos regulatórios utilizados pelos governos, ou seja, não se apresentaram ainda experiências que comprovassem que a regulação é realmente um instrumento eficaz para propiciar efetivamente o desenvolvimento desse setor, ou, se, ao contrário, pode dificultar essa inovação pelo estabelecimento de regras e normas que muitas vezes não condizem com as atividades nele promovidas.

 

3.5       Instrumentos de regulação no setor de microfinanças

 

Jansson e Wenner (1997) enfatizam que muitos dos instrumentos utilizados para regular as instituições financeiras tradicionais são aplicados às instituições de microfinanças sem que haja uma adequação específica às suas características. Assim, na visão desses autores, os instrumentos de regulação que mais podem influenciar a atividade das IMFs são: (a) controles prudenciais, (b) controles protecionistas e (c) controles estruturais. 

 

(a) Controles prudenciais

 

Os controles prudenciais têm como objetivo preservar a solidez do sistema financeiro por meio de medidas como adequação do capital a padrões internacionais, estabelecimento de provisão dos créditos e exigências quanto à documentação relativa às operações de crédito contratadas.

 

Adequação do Capital

                              

Nos países que seguem os preceitos do Acordo de Basiléia, todas as instituições financeiras são obrigadas a ter um capital mínimo adequado ao valor de seus ativos ponderados para que o capital próprio seja suficiente para cobrir eventuais perdas ocorridas em seus ativos. Essa adequação de capital nas instituições financeiras impõe limites quanto à sua capacidade de alavancagem e tem como objetivo reduzir os riscos a que podem estar expostas.

 

Essa adequação pode influenciar o setor de microfinanças na medida em que a ponderação de riscos dos ativos, proposta pelo Acordo de Basiléia, pode não ser apropriada às características desse setor, onde os altos custos unitários dos empréstimos e os riscos assumidos pelas instituições devido à ausência de garantias fazem com que as operações sejam classificadas, de um modo geral, como de alto risco.

 

Em razão disto, as IMFs teriam que adequar seus ativos de modo a limitar sua exposição aos riscos, o que poderia resultar no uso menos eficiente do capital, menor lucratividade, menor capacidade de empréstimos e, enfim, de crescimento.

 

            Estabelecimento de provisões para devedores duvidosos

 

            Por meio da provisão para devedores duvidosos, a instituição reconhece as perdas havidas com os empréstimos vencidos e não pagos que compõem sua carteira. Tendo em vista que a provisão acarreta um custo para a instituição, quanto maior o valor total dos créditos provisionados, pior a situação de sua carteira de empréstimos.

 

            As normas reguladoras poderiam prever medidas específicas quanto ao estabelecimento de provisões para empréstimos voláteis, de valores pequenos, sem garantia real, com prazos curtos de vencimento e renovações constantes, como é o caso dos empréstimos concedidos pelas IMFs. Estas instituições necessitam, por isso, de uma política de provisões para devedores duvidosos mais adequada às características de suas operações.

 

            Documentação

 

A exigência de documentação que comprove a saúde financeira dos tomadores de empréstimo é considerada, na visão de Jansson e Wenner (op. cit.), um dos elementos mais importantes de controle prudencial por parte das autoridades reguladoras. Essa documentação no sistema tradicional de concessão de crédito pode envolver, no caso de um empréstimo concedido para fins produtivos, a comprovação de regularidade e idoneidade do negócio, de pagamento de impostos, balanços e demonstrativos financeiros, dentre outros.

 

Entretanto, no caso das IMFs, esse nível de exigência pode se tornar impraticável, tendo em vista que grande parte da carteira de empréstimos é composta por empréstimos concedidos a microempreendedores que atuam no setor informal, e, por conseguinte, não dispõem de toda essa documentação, nem possuem recursos suficientes para arcar financeiramente com sua atualização.

 

Sendo assim, exigências quanto a documentações no setor de microfinanças deveriam levar em consideração, por exemplo, a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimo, e não especificidades burocráticas que poderiam dificultar a concessão de empréstimos e aumentar sobremaneira seus custos operacionais.

 

(b)   Controles protecionistas

 

Lei da Usura

 

A Lei da Usura é adotada em diversos países como uma medida de proteção aos clientes das instituições financeiras, uma vez que tende a limitar as taxas de juros cobradas nas operações a um determinado percentual. Em virtude desse fato, os empréstimos com maior risco associado e, por conseqüência, maiores custos, não se tornariam atrativos para as IMFs, que não poderiam cobrar juros suficientes para cobrir seus custos.


 

(c)    Controles estruturais

 

            Restrições à entrada

 

A imposição de restrições quanto à entrada de novas instituições no sistema financeiro tem sido comumente adotada por diversos países. O conjunto de imposições pelas autoridades reguladoras pode incluir tanto requisitos mínimos de capital e formas de atuação das instituições quanto a exigências relativas à idoneidade de seus sócios e administradores, e influenciar o grau de concorrência no mercado.

 

Particularmente no setor de microfinanças, as barreiras impostas à entrada constituem um papel influente em seu desenvolvimento, pois quanto maiores - especialmente em relação a requisitos de capital mínimo -, maior pode ser a dificuldade a ser enfrentada pelas instituições que desejam atuar no setor. Do contrário, se tais requisitos forem muito baixos, poderá haver um grande número de instituições desejosas de entrar no mercado, trazendo, neste caso, possíveis complicações para a autoridade reguladora.

 

Outro tipo de restrição à entrada que pode influenciar sobremaneira o setor é o estabelecimento de formas de atuação das instituições e seu modo de organização. Nesse sentido, tem sido crescente o número de países que vêm adotando novas estruturas específicas para possibilitar que as instituições atuem exclusivamente com microcrédito ou microcrofinanças, o que pode incrementar o desenvolvimento desse setor.

 

Grupos solidários como alternativa à ausência de garantias

                              

Outra conclusão importante quanto à inadequação dos instrumentos de regulação é a de que muitos órgãos reguladores têm pouco conhecimento acerca do funcionamento dos grupos solidários como alternativa à ausência de garantias nas operações de microfinanças, e de um modo geral, consideram essa alternativa como sendo de pouca eficácia para coibir atrasos nos pagamentos dos empréstimos.

 

A formação de grupos solidários é importante na medida em que faz parte da metodologia de concessão de crédito de muitas instituições de microfinanças. Essa metodologia leva em conta, ainda, a capacidade de pagamento de cada cliente, e não apenas as garantias reais, baseando suas decisões de provisão dos empréstimos com relação a esse aspecto.

 

            Restrições operacionais

 

É essencial que as autoridades reguladoras levem também em consideração a limitação, principalmente financeira, dos indivíduos de baixa renda no que diz respeito à locomoção até as instituições para realizar as transações. Sendo assim, as IMFs devem ter a possibilidade de adaptar os métodos de concessão de empréstimos às características econômicas de sua clientela. Para isso, seria preciso que o marco regulatório fosse mais flexível, por exemplo, em termos de horários de funcionamento e métodos alternativos de prestação de serviços financeiros, em caixas eletrônicos e outros.

 

3.6       Um modelo de regulação do setor de microfinanças

 

3.6.1Tipos de regulação

 

 

            Staschen (1999), a partir da análise das experiências ocorridas em diversos países em relação à regulação do setor de microfinanças, distinguiu a existência de três tipos básicos de modelo regulatório, com base na regulamentação adotada: (a) regulação com base na regulamentação bancária; (b) regulação com base em regulamentação específica para o setor; e (c) auto-regulação.

 

 

 

 

(a)    Regulação baseada na regulamentação bancária

 

Esse tipo de regulação baseia-se na idéia de que, se as IMFs, assim como os bancos, realizam atividades como captação de recursos do público, devem ser submetidas, de um modo geral, às mesmas regras regulamentares que as demais instituições financeiras. 

 

Essas exigências podem, no entanto, se mostrar inapropriadas e constituir obstáculos às IMF, tendo em vista as particularidades envolvidas em suas atividades. Assim, requisitos de capital mínimo para entrar no mercado muito elevados, por exemplo, podem ser inacessíveis para uma IMF.

 

Todavia, dependendo da flexibilidade da autoridade reguladora, exceções podem ser feitas, e as IMFs podem se tornar isentas, temporariamente, de determinadas exigências feitas às instituições financeiras, até que demonstrem possuir a capacidade necessária para se adaptar à regulamentação imposta.

 

As vantagens desse tipo de regulação são o de permitir que instituições que já exerciam atividades relacionadas à microfinanças de forma não-regulamentada, como ONGs, possam se tornar instituições reguladas no âmbito de um sistema financeiro, e, em razão disto, poder ter acesso a instrumentos como operações de redesconto em caso de problemas de liquidez, por exemplo.

 

(b)   regulação com base em regulamentação específica

 

Neste tipo de modelo regulatório, é adotada uma regulamentação jurídica especialmente desenvolvida para as IMFs. Isso significa que as autoridades governamentais têm interesse em tornar as IMFs reguladas e que estas também têm o desejo de serem submetidas à regulamentação proposta, o que requer geralmente um longo tempo de negociações entre as partes, ou seja, o regulador e o regulado.

 

As vantagens deste tipo de regulação são o de possibilitar que as IMFs possam desenvolver suas atividades sem que precisem se adaptar às normas e leis impostas ao setor financeiro, com realidades e características distintas das IMFs.

 

(c)    auto-regulação

 

Numa situação de auto-regulação, as autoridades governamentais não possuem interesse, capacidade, ou mesmo conhecimento suficiente sobre microfinanças para regular as IMFs. Logo, a iniciativa de estabelecer as regras e procedimentos a serem adotados pelo setor vem das próprias IMFs que se reúnem em associações ou grupos com essa finalidade.

 

A auto-regulação pode assumir várias formas. Uma possível forma é aquela em que as atividades de regulação e supervisão são realizadas por um determinado grupo de empresas, que realizam tarefas de monitoramento e rating das IMFs (umbrella body). Nesse caso, a autoridade governamental é substituída pela publicação das informações dessas IMF, com o objetivo de reduzir a assimetria de informações no mercado.

 

Esse tipo de regulação é chamado de auto-regulação indireta, pois implica o estabelecimento de normas em conjunto, e não de forma individual, que é conhecida como auto-regulação pura - isto é, sem qualquer intervenção governamental ou de terceiros –, e que têm demonstrado ser ineficiente nos países em que foi adotado (CHRISTEN & ROSENBERG, 1999).  

 

3.6.2    Proposta de um modelo de regulação de acordo com a forma institucional

 

            Staschen (1999) sugere que o modelo de regulação a ser adotado requer que se atente para as seguintes questões:

 

(a)         o modo como as IMFs captam seus recursos, isto é, se captam depósitos do público, ou apenas de seus membros, se têm acesso à doações, subsídios governamentais ou linhas de crédito de investidores privados;

(b)         os índices de desempenho das IMs que já atuam no mercado e desejam ser reguladas;

(c)          o grau de relação com as instituições financeiras tradicionais, isto é, se as IMFs existentes no mercado têm acesso a instrumentos como reservas bancárias ou sistema de pagamentos;

(d)         o tamanho da IMF e os riscos de contaminar o sistema caso venha a quebrar;

(e)          avaliação dos custos de regular com os benefícios;

(f)           no caso de IMF que capte depósitos do público, avaliar se é necessário um seguro- depósito.

 

Uma análise interessante do modelo de regulação a ser adotado com base na forma institucional de uma IMF[11] é realizada por Gallardo et. al. (1998) e adaptado por Staschen (1999), conforme demonstrado na tabela 3.


 

FORMA INSTITUCIONAL DAS IMF

MOTIVOS PARA REGULAR

TIPO DE REGULAÇÃO PROPOSTO

Categoria A, financiada por doações e subsídios

Proteção aos tomadores em caso de comportamentos abusivos por parte das IMFs; aumento da confiança depositada nas IMFs pelos doadores

Nenhum ou auto-regulação

Categoria A, financiada por repasses e recursos privados

Proteção aos investidores de comportamentos oportunistas por parte das IMFs

Auto-regulação

Categoria B, capta recursos apenas de seus membros

Proteção aos membros-depositantes das IMFs

Umbrella body ou regulação governamental, de acordo com o tamanho da IMF

Categoria C, capta recursos do público

Proteção ao público depositante de comportamentos oportunistas por parte das IMFs e proteção ao sistema por evitar a quebra de confiança e possíveis corridas

Regulação governamental por meio de regulamentação específica às IMFs, com possível delegação a outras entidades públicas ou privadas supervisionadas

Tabela 3    Propostas para um modelo de regulação do setor de microfinanças

Fonte: Gallardo et. al.(1998), adaptado por Staschen (1999). Com adaptações.

 

 


 

MICROCRÉDITO E REGULAÇÃO NO BRASIL

 

4.1       Acesso dos micro e pequenos empreendedores ao Sistema Financeiro Tradicional

 

O Brasil é um dos países cuja concentração de renda entre seus habitantes é uma das mais altas do mundo. Isso pode ser comprovado pelo fato de que o grupo mais favorecido economicamente – 1% da população – concentrava, em 2001, 13,3% do rendimento total, quase o equivalente ao percentual acumulado pelos 50% mais pobres, que era de 14,3%.[12]

 

Outro desafio para o desenvolvimento econômico e social do país a ser enfrentado pelas autoridades governamentais diz respeito às desigualdades verificadas no mercado de trabalho. Considerando que a população ocupada em 2001 abrangia 75,4 milhões de trabalhadores e que as categorias de empregados e trabalhadores por conta-própria concentravam a maior parcela - 47,8% e 22,3%, respectivamente – foi verificado, a partir da análise do rendimento médio dos ocupados, que os 10% mais ricos ganham cerca de 18,31 vezes mais que o valor do rendimento dos 40% mais pobres.[13]

 

O empreendedorismo torna-se, assim, uma alternativa ao desemprego e ao baixo nível do rendimento obtido por essas pessoas no mercado de trabalho[14]. Isto se traduz na crescente importância das micro e pequenas empresas[15] na economia de nosso país, que correspondiam, em 2001, a 99% do total de 5,6 milhões de empresas existentes no país, sendo ainda responsáveis por empregar 41,4% dos postos de trabalho.[16]

 

As desigualdades verificadas no mercado de trabalho brasileiro e na renda obtida por esses trabalhadores acarretam também uma desigualdade no acesso aos serviços financeiros tradicionais, pois, embora o Brasil seja um país em que haja a quantidade expressiva de 2443 empresas em funcionamento no mercado - das quais 163 são bancos múltiplos ou comerciais[17] -, considera-se que as instituições financeiras estejam irregularmente distribuídas pelo Território Nacional[18], sendo as regiões norte e nordeste do país as mais prejudicadas nesse sentido, em relação às demais, inclusive a aspectos tecnológicos, em virtude de serem mais pobres que às demais (SCHONBERGER, 2001).

        

Além da mera distribuição em termos geográficos, outro aspecto que denota desigualdade de acesso aos serviços financeiros no sistema tradicional é o acesso ao crédito produtivo[19]. Acredita-se que a falta de acesso de serviços financeiros adequados, principalmente o crédito, seja um dos muitos empecilhos enfrentados pelos micro e pequenos empreendedores, e em especial os que atuam no setor informal da economia[20]. Para que oportunidades de negócio não sejam perdidas, terminam por recorrer a familiares, amigos e principalmente a agiotas, permanecendo fora do sistema financeiro formal. Daí a necessidade de desenvolver uma indústria microfinanceira sólida em nosso país, e principalmente o microcrédito, que supra essa carência de crédito por parte dessa parcela de população desassistida de produtos e serviços financeiros adequados às suas especificidades.

 

4.2       Aspectos da regulação do setor de microfinanças no brasil

 

Embora o Brasil seja o maior país da América Latina em termos geográficos, populacionais e econômicos, o desenvolvimento de sua indústria de microfinanças ainda está aquém de outras existentes nos países vizinhos, como Peru e Bolívia, apesar de ter ocorrido aqui a primeira experiência com microfinanças da América Latina, a partir do Projeto Uno[21].

 

As justificativas mais citadas para explicar esse lento desenvolvimento do setor no país são (GOLDMARK et. al., 2000; SCHONBERGER, 2001):

 

(a)   a instabilidade macroeconômica marcadamente presente até o Plano Real, em 1994;

(b)   a existência de linhas de crédito subsidiadas pelo Governo;

(c)    a situação econômico-financeira das instituições que atuam no setor de microfinanças e microcrédito; e

(d)   os impedimentos legais e regulatórios enfrentados pelas instituições que desejam atuar no setor[22].

 

A instabilidade macroeconômica afetou o sistema financeiro brasileiro na medida em que as altas taxas inflacionárias faziam com que os bancos direcionassem seus recursos prioritariamente às operações de tesouraria, em detrimento das operações de crédito, que acarretam riscos maiores. Desde o Plano Real em 1994, apesar da diminuição considerável das taxas inflacionárias, as taxas básicas de juros da economia ainda têm se mantido elevadas, assim como os spreads bancários, apesar dos contínuos esforços que vêm sendo empreendidos pelo BACEN desde 1999.

 

Já a existência de linhas de crédito governamentais subsidiadas[23], especialmente direcionadas a atividades econômicas específicas ou a determinados grupos sócio-econômicos, tende a dificultar o desenvolvimento das IMFs na medida em que há um menor comprometimento com resultados operacionais que possibilitem sua auto-sustentabilidade no longo prazo, sem a necessidade de recursos subsidiados de órgãos governamentais. Na visão de Schonberger (2001),

 

“(...) this would simply further distort credit allocation and could lead to development of supply-driven microlending capacity that would undermine the financial and operational discipline required for truly sustainable development of the industry”.(SCHONBERGER, 2001:27)

 

     A situação econômico-financeira das IMFs – especialmente as ONGs -, é considerada ainda, outro obstáculo ao desenvolvimento do setor no país, agravada ainda pela falta de um fluxo regular de financiamentos externos obtidos de organismos internacionais via doações ou linhas de crédito especialmente direcionadas para esse fim. De fato, algumas características comuns a essas instituições, especialmente durante os anos 80-90, podem ser resumidas a seguir (GOLDMARK, 2000):

 

(a)          inexistência de uma instituição cuja atuação sirva de modelo para outras, como o BancoSol, da Bolívia, cujos indicadores são tidos como parâmetros para outras instituições bolivianas que atuam no setor;

(b)         carteiras de empréstimos relativamente pequenas, dificultando sua rentabilidade;

(c)          taxas de inadimplências altas em comparação às taxas das instituições que atuam nos países latino-americanos;

(d)         custos operacionais elevados e que chegam a alcançar, em média, de 32 a 50% da carteira de empréstimos;

(e)          baixa produtividade dos agentes de crédito, medida por número de clientes atendidos.

 

Mais recentemente, contudo, medidas conduzidas pelo Governo têm contribuído, de forma indireta, para a diminuição das barreiras que impedem o desenvolvimento desse setor no país, como a redução dos níveis inflacionários e o conseqüente avanço para uma estabilização macroeconômica, conseguida com o Plano Real em 1994, além de reformas no Sistema Financeiro Nacional com o intuito de sanear as instituições deficitárias, dentre outras, que fizeram com que os investidores internacionais aumentassem a confiança no país e incrementassem o fluxo de investimentos.

 

Adicionalmente, medidas diretas de estímulo ao setor microfinanceiro, como a criação de normas legais criadas no âmbito federal, com o intuito de regulamentar as atividades das instituições nele atuantes, comprovam a preocupação das autoridades governamentais brasileiras com o desenvolvimento desse setor. 

 

A falta de um aparato regulatório era considerado um obstáculo a esse desenvolvimento na medida em que a oferta de produtos e serviços financeiros aos mais pobres estava limitada a instituições em sua maioria filantrópicas, dependentes de doações de organismos nacionais e internacionais e cujas operações deveriam estar restritas à Lei da Usura, prejudicando, assim, sua auto-sustentabilidade, especialmente nos períodos inflacionários.

 

Apesar das primeiras experiências de microcrédito no Brasil terem início em 1973, foi somente em 1999 que a iniciativa governamental resultou na criação de legislações aplicadas ao setor. No entanto, desde o início da década de 90, o microcrédito já havia se tornado alvo de debates no âmbito político nacional, por meio do Conselho da Comunidade Solidária, criado em 1995 como um instrumento de promoção da participação cidadã e de novas formas de parceria entre o Estado e a sociedade civil na luta contra a pobreza e a exclusão social.

 

Além disso, o rápido crescimento de programas como o CrediAmigo, do Banco do Nordeste e da Rede CEAPE durante os anos 90 e seu interesse em aumentar suas possibilidades de captação via depósitos do público, fez com que o BACEN começasse a se mobilizar em desenvolver estudos com o objetivo de criar uma regulamentação para o setor (SCHONBERGER, 2001).

 

Desse modo, em 1997, o Conselho promoveu a Rodada de Interlocução Política sobre Alternativas de Ocupação e Renda[24], da qual participaram Ministros de Estado, Secretários-Executivos, Presidentes e Diretores de Empresas Estatais e representantes de órgãos, instituições, organizações, programas ou ações governamentais e não governamentais, que atuam direta ou indiretamente com o microcrédito no Brasil - além de representantes do BACEN -, onde foi ressaltada a importância do microcrédito como uma importante estratégia para a geração de trabalho e renda da parcela da população mais desfavorecida economicamente, que não tem acesso aos serviços e produtos prestados pelas instituições atuantes no Sistema Financeiro Nacional.

 

A partir de então, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil[25] vêm adotando uma série de medidas regulamentares com o objetivo de favorecer a disseminação da prestação de serviços microfinanceiros, especialmente por meio do microcrédito, por acreditar que este pode se tornar um meio eficaz de combate à pobreza e desigualdade de renda no país; daí a importância de um marco regulatório para o setor. Segundo Alves e Soares (2003),

 

(...) o marco legal para as microfinanças deve estar (...) voltado para a correção de imperfeições de mercado que permita a compensação dos altos custos dos agentes que ainda não possuem uma escala competitiva e de outros fatores que possam prejudicar o alcance dos benefícios decorrentes da competição no livre mercado” (ALVES e SOARES, 2003:4).

 

Nesse contexto, foram implementadas medidas como a publicação de diversas leis e normativos, como a Lei 9790, de 23 de março de 1999, mais conhecida como a Lei do Terceiro Setor e que estabeleceu as regras que regem o funcionamento das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs; e a Medida Provisória 1914-4, de 28 de julho de 1999, que modificou as normas vinculadas à Lei da usura, isentando da Lei da Usura as OSCIPs e as SCMs[26].

 

Merece destaque especial a Resolução 2874, de 26 de julho de 2001, que revogou a Resolução 2627, de 02 de agosto de 1999, e que trata da regulamentação das SCMs, único modelo institucional que opera no segmento de microcrédito sob a regulação e supervisão do Banco Central do Brasil.

 

Uma das causas da necessidade da regulamentação do mercado de microcrédito no país por meio do estabelecimento de um novo modelo institucional que fosse capaz de operar nesse setor, estando inserindo no SFN, foi devido à

 

“(...) forte pressão desse segmento de mercado [de microcrédito], que buscava novas fontes de financiamento, partindo da premissa de que os investidores sentem-se mais seguros para aplicar em sociedades com modelos institucionais definidos e supervisionados por entidades federais. Foi adotada a estratégia de criação de modelo conservador, do ponto de vista de risco, mas com a possibilidade de sofrer aperfeiçoamentos ao longo do tempo, uma vez constatada qualidade na forma de atuação e aderência aos princípios que nortearam sua criação” (ALVES e SOARES, 2003:24).

 

 

Além disso, a regulamentação das SCMs tem como objetivos:

 

(a)              limitar os riscos assumidos pelas instituições por meio de restrições operacionais, contábeis e de procedimento e do estabelecimento de controles sobre capital mínimo para abertura, endividamento e diversificação de risco, dentre outros. São criados, assim, mecanismos que permitam o desenvolvimento do setor por fortalecer a saúde financeira das instituições que nele atuam e, conseqüentemente, o fluxo de recursos externos dos investidores e doadores;

(b)              proteger os clientes dessas instituições de eventuais práticas abusivas relativos à concessão de empréstimos realizadas por essas Sociedades.

 

Percebe-se que o modelo regulatório do setor de microfinanças brasileiro foi amplamente baseado em experiências com regulação ocorridas em outros países latino-americanos, especialmente Peru e Bolívia[27], apesar das nítidas diferenças existentes entre o modelo destes países e o adotado no Brasil, devidas em parte às limitações impostas às SCMs, como proibição à captação de depósitos de clientes e do público, atuação de forma exclusiva com operações de microcrédito, dentre outros. 

 

Adicionalmente, o fato de o modelo regulatório brasileiro privilegiar a criação de uma forma institucional específica para atuar no setor de microcrédito, permite classificá-lo no modelo de regulação com base em regulamentação específica para o setor, conforme classificação proposta por Staschen (1999) - analisada anteriormente -, porém com algumas modificações que serão detalhados no final desta dissertação.

 

4.3       Configuração atual do setor de microfinanças no Brasil

 

Após a introdução das disposições normativas relativas a microfinanças e microcrédito a partir de 1999, as instituições atuantes no setor no Brasil têm as seguintes possibilidades de configuração:

 

Instituições sem fins lucrativos:

 

-     Organizações não governamentais, pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, de que trata a Lei 9790/99, não sujeitas à Lei da Usura. São submetidas às restrições legais impostas pelo Ministério da Justiça e podem atuar em várias áreas, e não somente em microcrédito. Um exemplo a ser destacado é a PortoSol, ONG criada pela Prefeitura de Porto Alegre em 1995 em parceria com entidades da sociedade civil, posteriormente transformada em OSCIP, e que concede créditos a pequenos empreendimentos, tanto para capital de giro quanto para capital fixo.

 

-     Organizações não governamentais, pessoas jurídicas de direito privado, sujeitas à Lei da Usura. A Rede CEAPE, formada por instituições afiliadas a rede internacional ACCION, é exemplo de ONG que atua com microfinanças.

 

-     Fundos municipais, estaduais ou “bancos do povo”, criados por governos municipais e estaduais e administrados por órgãos públicos em parceria com a sociedade civil, e destinados especificamente ao microcrédito e também sujeitos a restrições usurárias. São exemplos o Banco do Povo do Estado de São Paulo e o Banco do Povo de Goiás, dentre outros.

 

Instituições com fins lucrativos:

 

-     Instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional. O exemplo mais importante é o do CrediAmigo, programa de microcrédito criado em 1998 e mantido pelo Banco do Nordeste, banco de desenvolvimento regional do Nordeste e que tem se destacado como o principal programa de microcrédito do país e um dos maiores da América Latina, e possui como objetivo oferecer crédito a pequenos empreendedores da Região Nordeste, norte de Minas Gerais e Espírito Santo. Até maio de 2003, o CrediAmigo possuía 123.000 clientes ativos e um carteira de crédito no valor de R$ 172 milhões[28].

 

-     Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, autorizadas a funcionar e supervisionadas pelo BACEN e cujo objeto social exclusivo é a concessão de financiamentos a pessoas físicas, com o objetivo de viabilizar empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial de pequeno porte, bem como a pessoas jurídicas, classificadas nas leis e normativos em vigor como microempresas.

 

O setor de microfinanças brasileiro em março de 2002, era, em sua maior parte, composto por OSCIPs (47,46%), seguido das ONGs (30,51%), SCMs (11,86%) e Governo (10,17%), como pode ser verificado pela figura 3:

 

Figura 3     Percentual de instituições por tipo institucional no Brasil

Fonte:Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM (2002)[29]

           

            Pela figura 3 pode-se observar a preponderância do modelo OSCIPs no setor de microfinanças brasileiro, principalmente se for levado em consideração que a legislação que trata de sua criação tem menos de quatro anos. No entanto, Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal - Ibam, denominada "Expansão do Setor de Microfinanças no Brasil", e citada em Alves e Soares (2003), defende que está havendo um forte movimento de transformação de ONG em Oscip nos últimos anos, o que leva a crer que a maioria das OSCIPs existentes atualmente no mercado eram ONGs que se transformaram em OSCIPs.

 

            Esse forte aumento pode ser confirmado pela análise da figura 4, que mostra a evolução do número de instituições, por tipo institucional, que atuam no setor no Brasil, até 2002. Tal figura também reflete o crescimento do número de SCMs atuantes no setor, desde 1999, quando foram criadas.

Figura 4     Evolução do número total de instituições por tipo institucional no Brasil

Fonte:Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM (2002)

 

Apesar de as ONGs e as OSCIPs superarem, em quantidade, as demais formas institucionais no setor, as instituições que concedem o maior volume total de crédito são aquelas cujo Poder Público participa, conforme demonstrado na figura 5 a seguir. É importante acrescentar isso ocorre em razão do Banco do Nordeste, por meio de seu programa CrediAmigo, ser o principal emprestador no setor de microfinanças no Brasil.

 

Figura 5     Evolução do valor total emprestado (triênio) por tipo institucional no Brasil

Fonte:Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM (2002)

 

Além das instituições de primeira linha, analisadas anteriormente, há que se destacar também a atuação das instituições de segunda linha. Isto porque a estrutura do setor de microfinanças e microcrédito nacional é formada por dois grandes grupos, cujas funções são complementares. Assim, o primeiro grupo, ao qual pertencem as instituições ditas de primeira linha, são aquelas que atuam de forma direta junto ao tomador final, e podem ser agrupadas segundo o seu objeto social – ou seja, se possuem fins lucrativos ou não – ou segundo sua forma jurídica – se são instituições da sociedade civil, do setor público ou da iniciativa privada, conforme mencionado anteriormente.

 

Já o segundo grupo é formado por instituições ditas de segunda linha, por atuarem junto às instituições de primeira linha, fornecendo, além de recursos financeiros por meio de empréstimos especialmente direcionados para esse fim, capacitação e apoio técnico, com vistas à (o) (BARONE et al., 2002):

 

(a)   constituição ou ampliação de fundo rotativo de crédito;

(b)  desenvolvimento institucional, por meio de repasses para custear as despesas iniciais com a fase inicial das operações;

(c)   capacitação técnica dos administradores, agentes de crédito e outros indivíduos diretamente envolvidos na atuação da instituição.

 

Nesse caso, são exemplos a serem destacados o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE.

 

O BNDES lançou, em 1996,,, o Programa de Crédito Produtivo Popular - PCPP[30], programa que tem por objetivo o incentivo às instituições de microfinanças no país, por meio de linhas de crédito direcionadas a pequenos empreendedores, formais e informais, por prazos de no máximo oito anos e taxas baseadas na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)[31]. Além de fornecer suporte financeiro, esse programa tem como objetivo fornecer suporte técnico direcionado aos gerentes do setor, baseado em manuais e materiais informativos sobre finanças, regulação, sistemas de informação, contabilidade, e outros.

 

A concessão do microcrédito pelo BNDES é realizada por meio de intermediários chamados de Agentes Repassadores de Microcrédito – ou seja, Municípios, OSCIPs, Sindicatos, Instituições Financeiras Públicas, Agências de Fomento, Cooperativas de Crédito, SCMs e Bancos Comerciais – a quem o BNDES oferece linhas de crédito especialmente direcionadas para a concessão de empréstimos aos microempreendedores e cooperativas. Assim, os microempreendedores que desejem receber apoio do Programa de Microcrédito do BNDES devem se dirigir diretamente a esses Agentes Repassadores, que serão os responsáveis pela montagem da operação, aprovação do crédito e liberação dos recursos.

 

Já o Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas -, é uma entidade criada em 1972 tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável das empresas de pequeno porte, por meio de projetos gerenciados pelas Unidades de Negócios e de Gestão do Sebrae localizados em todo o país.

 

Em outubro de 2001, o Sebrae lançou o Programa de Apoio ao Segmento de Microcrédito, com vistas a promover o desenvolvimento do microcrédito no Brasil, por meio da oferta de maiores oportunidades de acesso dos pequenos empreendimentos ao crédito, além de propiciar suporte ao nascimento e ao desenvolvimento técnico e institucional de organizações de microcrédito, e formar parcerias que permitam multiplicar e complementar os recursos disponíveis. Até novembro de 2002, o Programa apoiou 94 instituições em todo o Brasil, sendo aplicados R$ 22,3 milhões.

 

 

4.4       Sociedades de crédito ao microempreendedor

 

As sociedades de crédito ao microempreendedor – SCMs - foram instituídas pela Resolução 2627/1999. Este normativo estabeleceu um novo modelo institucional para atuar no setor de microcrédito sob a regulação e supervisão do Banco Central do Brasil, além de facultar às instituições pertencentes ao segmento, como as ONGs, a possibilidade de serem transformadas em SCMs. De acordo com tal normativo, às SCMs foram permitidas:

 

(a)          a captação de recursos originários de organismos e instituições nacionais e internacionais de desenvolvimento; orçamentos estaduais e municipais;  fundos constitucionais; doações; e outras fontes, desde que expressamente autorizadas pelo BACEN;

(b)         a constituição sob a forma de companhia fechada ou de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, sendo-lhes requerido o capital mínimo de R$ 100 mil[32];

(c)          a instalação de postos de atendimento, fixos ou móveis, permanentes ou temporários, somente na área de atuação definida no estatuto social das SCMs.

 

Do contrário, foram proibidas a essas Sociedades:

(a)   a transformação em qualquer tipo de instituição integrante do SFN;
(b)  a captação de recursos do público, bem como emissão de títulos e valores mobiliários destinados a colocação e oferta públicas;
(c)   a participação societária no capital de outras empresas;
(d)  a contratação de depósitos interfinanceiros na qualidade de depositante ou depositária;
(e)   emprestar a um único cliente mais que R$ 10 mil;

(f)    deter qualquer participação, direta ou indireta, do setor público.

 

A Resolução 2874/2001, que revogou a Resolução 2627/1999, e a Lei 10194, de 14 de fevereiro de 2001, trouxeram algumas modificações que ampliaram o escopo de atuação das SCMs, embora permaneçam as vedações à captação de recursos junto ao público, a concessão de empréstimos para fins de consumo e a contratação de depósitos interfinanceiros. Dentre tais modificações, podem ser destacadas:

(a)                a possibilidade de ter seu controle societário exercido por OSCIPs - de quem, inclusive, podem obter recursos via empréstimos ou repasses - desde que o Poder Público não tenha poder de gestão sobre elas e, além disso, desenvolvam atividades de crédito compatíveis com o objeto social das SCMs;

(b)               a aplicação de suas disponibilidades de caixa no mercado financeiro, inclusive em depósitos a prazo e a permissão para operar com cessão de créditos e alienação fiduciária[33];

(c)                a criação do PAM – Posto de Atendimento do Microcrédito, cuja localidade e horário de funcionamento são de livre escolha da Sociedade;

(d)               a permissão para prestação de garantias, inclusive por via indireta, ou seja, prestando serviços a outras instituições financeiras que tenham permissão para conceder empréstimos;

(e)                a permissão, ainda que não expressa, de transformação em qualquer instituição integrante do SFN[34].

 

A possibilidade de controle de SCMs por OSCIPs baseia-se fortemente nas experiências de sucesso ocorridas em outros países, conforme Alves e Soares (2003). Espera-se, dessa forma, permitir a uma OSCIP controladora de uma SCMs atuar no segmento de microcrédito por meio de uma Sociedade que seja lucrativa, e, ao mesmo tempo, continuar atendendo à parcela da população menos favorecida economicamente sem que o lucro seja seu objetivo principal.

 

A flexibilização quanto aos Postos de Atendimento do Microcrédito é outro avanço na atuação das SCMs trazido pelo normativo, na medida em que possibilita uma maior adequação do funcionamento dessas Sociedades às especificidades de seu público-alvo, que muitas vezes não têm recursos ou tempo suficientes para se locomover até à instituição financeira.

 


Desde a implementação das SCMs pela Resolução 2627/99, havia em funcionamento no mercado, em dezembro de 2003, 41 sociedades, estando a grande maioria localizada na Região Sudeste, principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, conforme demonstrado nos gráficos a seguir:

Figura 6     Evolução da quantidade de SCMs em funcionamento no mercado

Fonte: Banco Central do Brasil

 

 

Figura 7     Quantidade de SCMs em funcionamento e autorizadas a funcionar no mercado por Região

Fonte: Banco Central do Brasil

 

Figura 8     Quantidade de SCMs em funcionamento e autorizadas a funcionar no mercado por Estado da Federação

Fonte: Banco Central do Brasil

 

 

Quanto à propriedade dessas Sociedades,

 

“(...) das SCM criadas até agora [2003], cerca de 35% são de propriedade de novos investidores e as outras 65% foram constituídas por empreendedores em empresas de fomento mercantil (factoring) que, sob o manto da estrutura formal, buscam, na maioria dos casos, melhorar sua imagem como forma de angariar mais clientes” (ALVES e SOARES, 2003:26).

 

As SCMs são equiparadas às instituições financeiras no que se refere à limitações legais relativas à concessão de crédito – inclusive as informações para a Central de Risco de Crédito[35] -, e contabilização das operações, e ainda, devem ter autorização prévia do BACEN para a realização dos seguintes atos:

 

(a)    eleição dos membros de órgãos estatutários;

(b)   alterações no capital social e na composição societária;

(c)    reformas do estatuto ou contrato social;

(d)   fusão, cessão, incorporação e transformação;

(e)    liquidação voluntária.

 

Em comparação a outras formas institucionais existentes no setor de microfinanças brasileiro, as SCMs se destacam, em termos financeiros, por serem as mais alavancadas, e também as que possuem os menores índices de sustentabilidade tanto operacional quanto financeira, e as maiores taxas de inadimplência, como demonstrado nas figuras 9, 10, 11 e 12 a seguir (dados de 2002):

Figura 9     Alavancagem por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM

 

Figura 10   Sustentabilidade financeira por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM

 

 

Figura 11   Sustentabilidade operacional por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

 

Figura 12   Taxa média de inadimplência por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

 

 

Em termos operacionais, em comparação com as demais IMFs, as SCMs são aquelas que, percentualmente, menos trabalham com aval solidário (57,14% não trabalham com aval solidário), preferindo, a grande maioria (71,43%) trabalhar com a figura do avalista, conforme demonstram as figuras 13 e 14:

 

Figura 13   Percentual de instituições que trabalham com crédito solidário por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

 

Figura 14   Percentual de aceitação pelas instituições das formas de garantia por tipo institucional no Brasil

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

 

4.5       Possibilidades e limitações da regulação do setor de microfinanças no Brasil

 

O aparato regulatório do setor de microfinanças deve estar respaldado em um ordenamento jurídico baseado em leis e normativos que permitam o desenvolvimento das instituições que atuam nesse setor.

 

No Brasil, o aparato regulatório se traduziu na criação de um modelo institucional específico para atuar com o microfinanças - as SCMs -, tendo sido a forma encontrada pelo Governo para atrair novos parceiros e investidores para o setor, com vistas a reduzir a dependência financeira que as instituições têm das entidades governamentais, internacionais ou multilaterais, e também para estimular o acesso da população usualmente excluída dos serviços e produtos financeiros do sistema financeiro tradicional.

 

Percebe-se, portanto, que a regulação do setor de microfinanças no Brasil tem dois objetivos principais: o primeiro, relacionado à alocação de recursos, tendo em vista a preocupação das autoridades governamentais em possibilitar o acesso dos microempreendedores ao crédito produtivo; e o segundo, relacionado ao desenvolvimento das IMFs, por acreditar que a regulação do setor possa melhorar o desempenho e a transparência da atuação dessas instituições, atraindo, com isso, maiores recursos para o setor pelo maior grau de confiabilidade dos investidores.

 

Com relação às SCMs, o BACEN tem como atribuições expressas em lei, conforme mencionado anteriormente:

 

(a)   o estabelecimento de requisitos para constituição e funcionamento, bem como sua fiscalização;

(b)   a fixação de normas para a contabilização de suas operações e a elaboração e divulgação de suas informações financeiras[36];

(c)   o estabelecimento de restrições operacionais, contábeis e de procedimento, como capital mínimo para abertura, endividamento e diversificação de risco.

 

Nota-se, portanto, que as SCMs, como instituições financeiras que são, estão sujeitas tanto a controles de caráter estrutural[37] - como restrições à entrada e restrições operacionais -, quanto a controles de caráter prudencial - pois estão sujeitas a ter índices de capital mínimo, liquidez, endividamento e diversificação de risco regulados e supervisionados pelo BACEN – apesar de serem proibidas de captar recursos do público e de operar com atividades que não sejam relacionados ao microcrédito.

 

Além disso, tendo em vista que as SCMs são instituições financeiras para efeitos legais, determinadas imposições desta natureza podem fazer com que essas Sociedades tenham que se adaptar às mesmas exigências impostas ao setor financeiro tradicional - que, como verificado anteriormente, possuem características distintas das instituições que atuam com microfinanças -, apesar de ter sido criado um modelo institucional, com regulamentação própria, específico para atuar com microfinanças.

 

Em virtude disso, uma análise da regulamentação das SCMs à luz do modelo de regulação proposto por Staschen (1999) permite concluir que a regulação ora apresentada demonstra ser rigorosa, quanto ao escopo de atividades e as formas de captação dessas Sociedades, tendo em vista seu objeto exclusivo voltado para o microcrédito e a proibição de captação de depósitos.

 

Portanto, embora o arcabouço regulamentar tenha evoluído a estrutura do setor no país, por meio de medidas como a criação das SCMs, estudos sobre o setor (SCHONBERGER, 2001; FIORI et. al., 2002; KUMAR et. al., 2003; MARTINS, 2002) e as propostas realizadas pelas SCMs[38] confirmam o fato de que ainda existem muitos entraves ao desenvolvimento desse segmento no nível nacional, conforme analisado a seguir:

 

(a) Quanto ao funding

 

Proibição de captação de depósitos

 

A proibição de captação de recursos junto ao público é considerada um dos fatores limitadores das atuações das SCMs, pois tende a restringir o fluxo de recursos para as instituições que nele atuam, reduzindo, por conseqüência, o volume de recursos financeiros disponíveis para novos empréstimos e limitando a oferta de novos produtos e serviços financeiros.

 

A necessidade de aumentar a captação se torna ainda mais essencial na medida em que recursos obtidos por meio de repasses de instituições de segunda linha, como o Programa PCPP do BNDES, têm se tornado mais restritos.

 

(b)         Quanto ao escopo de atuação

 

Proibição de financiamento de crédito para consumo e de concessão de empréstimos para pequenas empresas

 

Tendo em vista que o modelo regulatório estabeleceu que as SCMs teriam como “objeto social exclusivo a concessão de financiamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas à viabilização de empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial, de pequeno porte”, as SCMs são proibidas de realizar outras operações de microfinanças que não sejam relacionadas ao microcrédito, ou seja, suas operações estão limitadas à concessão de financiamento à microempresas.

 

Outra limitação que diz respeito ao escopo de atuação é a limitação do público alvo a pessoas jurídicas classificadas como microempresas, excluindo-se a empresa de pequeno porte. Uma vez que “(...) em praticamente todas as demais normas do sistema jurídico brasileiro as microempresas e as empresas de pequeno porte são basicamente tratadas como uma unidade” (Propostas de aperfeiçoamento do marco legal, 2004), a permissão de financiamento a pequenas empresas, além das microempresas, e o aumento das oportunidades de transação pela expansão de novos serviços microfinanceiros poderiam permitir às SCMs maiores possibilidades de ganhos, tendo em vista o expressivo número de pequenas empresas atuantes no país. 

 

(c) Quanto à revisão dos limites operacionais

 

Limite de alavancagem de cinco vezes o patrimônio líquido

 

            Considera-se que o atual limite de alavancagem imposto pela norma pode tornar inviável o funcionamento das SCMs por ser considerado baixo, inclusive menor que os limites impostos às demais instituições financeiras. A proposta das SCMs é de que esse limite seja aumentado.

 

Limite de diversificação de risco por cliente de R$ 10 mil

 

A norma vigente estabeleceu como limite máximo de risco de crédito por cliente o valor fixo de R$ 10 mil. A proposta é que esse limite seja um valor correspondente a um percentual do patrimônio líquido das SCMs, para permitir à essas Sociedades a obtenção de receitas com transações de maior valor, e possibilitando, ao mesmo tempo, que as operações de menor valor sejam viabilizadas.

 

(d) Quanto às informações sobre os tomadores

 

A Resolução 2874/2001 exige que as SCMs - assim como as demais instituições financeiras -, remeta informações para a Central de Risco de Crédito sobre o endividamento de seus clientes. Tais informações deverão ser informadas apenas se o referido montante exceder a R$ 5 mil.

 

Em razão desta obrigatoriedade, grande parte dos financiamentos concedidos pelas SCMs cujos valores são aquém desse limite, não são informados à Central de Risco de Crédito, o que de uma certa forma limita as informações sobre esses tomadores. A proposta das SCMs seria a diminuição desse valor de forma a aumentar a transparência e a disponibilidade das informações entre as instituições de todo o Sistema Financeiro Nacional.      

 

(e) Quantos aos custos de transação

 

Impossibilidade de recolhimento do imposto simples

 

As SCMs são tributadas da mesma forma que as demais instituições financeiras - a despeito de sua importância para o combate às desigualdades sociais -  e em vista disso não possuem qualquer benefício fiscal ou incentivo por parte das autoridades governamentais com relação à tributação, o que pode onerar suas operações, e, conseqüentemente, o crédito para o tomador final, em virtude de custos de transação mais elevados.

 

Martins (2002) alerta que

“Já que o custo da atividade em si é muito superior ao das atividades financeiras tradicionais, e, também, já que se relaciona diretamente com o incentivo e incremento das micro e pequenas empresas, seria de se esperar que as entidades que praticam microfinanças pudessem usar das mesmas prerrogativas legais que são atribuídas tributariamente às primeiras”. (MARTINS, 2002)[39]

 

As SCMs alegam que uma medida que poderia desonerar as operações do ponto de vista tributário seria o sistema do imposto SIMPLES, estabelecido pela Lei 9317/96. Porém, o artigo 9º da referida Lei proíbe que as pessoas jurídicas constituídas sob a forma de SCMs possam optar pelo SIMPLES[40].

 

Na visão de Martins (op. cit.), “O ponto de equilíbrio das entidades que praticam microfinanças será mais facilmente alcançado por via do imposto simples. Tal metodologia ajudará às entidades a se consolidarem mais fácil e rapidamente” (MARTINS, 2002).

 

Impedimentos legais para cobrança de dívida

 

Em virtude de disposições da Lei de Defesa do Consumidor e outros normativos vigentes em nosso país, a recuperação do crédito inadimplente para as SCMs pode implicar custos judiciais e advocatícios que excedem os pequenos valores dos financiamentos concedidos, e mesmo nos casos em que há garantia real, ou seja, envolvendo bens, a cobrança do crédito pode ser dificultada pelos procedimentos necessários para a apreensão dos bens do cliente, aumentando sobremaneira os custos das SCMs.


 

CONCLUSÃO

 

 

O desenvolvimento da indústria de microfinanças no Brasil encontra-se em um estágio inferior se comparado ao de outros países latino-americanos, como Peru e Bolívia. Entretanto, ainda que haja problemas persistentes como taxas de juros e spreads bancários elevados, indicadores de estabilidade macroeconômica, como controle das taxas inflacionárias e manutenção da solidez do Sistema Financeiro Nacional são fatores que têm contribuído para que não só as instituições microfinanceiras, como as demais instituições financeiras, possam atuar em um ambiente econômico mais propício ao seu desenvolvimento.

 

Além disso, as micro e pequenas empresas representam uma parcela significativa da economia em nosso país, inclusive no que diz respeito à importância de sua atividade produtiva em relação ao Produto Interno Bruto e da expressiva mão-de-obra empregada nesses estabelecimentos.

 

Contudo, a despeito de seu potencial, o sistema financeiro tradicional parece demonstrar pouco interesse em suprir de produtos e serviços financeiros os microempreendedores, principalmente aqueles que atuam no setor informal da economia, por considerar pouco rentável esse tipo de operação, em razão de problemas relacionados à assimetria de informações no mercado de crédito.

 

Os problemas de assimetria surgem na medida em que se torna custoso às instituições financeiras tradicionais a seleção dos empreendedores cujos empreendimentos sejam considerados economicamente viáveis, e o monitoramento do pagamento das parcelas pagas por esses tomadores, levando em consideração os riscos de inadimplência decorrentes de empréstimos de baixos valores concedidos a indivíduos de baixa renda, e por isso, com pouca ou nenhuma garantia.

 

Resta então, a esses microempreendedores, a tentativa de obter financiamento para suas atividades produtivas por meio de agiotas, a taxas exorbitantes, ou até mesmo por meio da ajuda financeira de familiares e amigos.

 

Outra alternativa seria recorrer às instituições microfinanceiras, que por meio da oferta de crédito produtivo a taxas mais modestas e sem as exigências normalmente verificadas no sistema financeiro tradicional, poderiam solucionar os problemas relacionados à assimetria de informações verificada no mercado de crédito tradicional.

 

No Brasil, não foram poucas as medidas governamentais tomadas com o objetivo de estimular o acesso desses pequenos ao Sistema Financeiro, inclusive por meio da criação de subsídios e linhas de repasse de instituições bancárias oficiais, que, com o passar do tempo, demonstraram ser economicamente insustentáveis.

 

Ao mesmo tempo foram surgindo no país, especialmente na última década, ONGs que passaram a atuar com microfinanças, muitas delas em parceria com entidades e redes internacionais, como a Rede CEAPE, dentre outros. Merecem destaque ainda o Programa CrediAmigo, do Banco do Nordeste - que atualmente é o maior programa de microfinanças no país em termos de número de clientes ativos e tamanho da carteira – e os programas PortoSol e VivaCredi, de iniciativa pública em parceria com a sociedade civil e de iniciativa privada, respectivamente, pelo desempenho satisfatório.

 

No entanto, tendo em vista que (a) muitas ONGs não conseguem ser auto-sustentáveis, por motivos como a não-adoção de critérios técnicos ou tecnologia inadequada para a concessão de crédito, dentre outros; e (b) o aumento de desemprego verificado ao longo dos anos no mercado de trabalho formal brasileiro vem deslocando grande número de trabalhadores para o setor informal da economia e aumentando a taxa de empreendedorismo da população economicamente ativa, o Governo Federal tem se preocupado em regular o setor de microfinanças no país, por considerar que a regulação poderia se tornar um instrumento de estímulo ao desenvolvimento desse setor. Seu desenvolvimento, por sua vez, incrementaria a geração de emprego e renda no país ao facilitar o acesso ao crédito produtivo aos microempreendedores.

 

Porém, as razões que levam as autoridades governamentais a regular o mercado financeiro tradicional são, em geral, diferentes dos motivos relacionados ao mercado de microfinanças, com exceção daquele relativo à proteção dos depositantes, e mesmo assim no caso em que à IMF é permitida a captação de depósitos do público.

 

Assim, enquanto que o objetivo fundamental da regulação prudencial do mercado financeiro tradicional é diminuir a probabilidade de ocorrência de uma crise sistêmica, por meio de restrições quanto à exposição de riscos, a regulação do mercado de microfinanças está mais intimamente relacionada às questões da alocação de recursos e do fortalecimento das IMFs. Dessa forma, a regulação proporcionaria uma melhor alocação de recursos entre os membros da sociedade, ao facilitar o acesso ao crédito produtivo aos microempreendedores, e também o desenvolvimento do setor ao estimular o desempenho das instituições que nele atuam, atraindo assim a confiança dos investidores e aumentando as possibilidades de captação de recursos.

 

A análise dos estudos sobre o setor no país permitem deduzir que os objetivos da regulação têm relação com as questões apresentadas, isto é, proporcionar uma melhor alocação de recursos e possibilitar um melhor desempenho das instituições que nele atuam.

 

Nesse sentido, como resultado dos esforços empreendidos pelo Governo para regular o setor microfinanceiro, foram sancionados Leis e normativos que constituem o marco regulatório desse setor no país, e que possibilitaram a criação das OSCIPs e principalmente, das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, única forma institucional especializada em microfinanças no Sistema Financeiro Nacional, e, em vista disso, reguladas e supervisionadas pelo Banco Central do Brasil.

 

Percebe-se, ainda, na criação de uma forma institucional especializada em microfinanças no Brasil, uma nítida influência dos modelos regulatórios de países como Peru e Bolívia, mantidas as devidas diferenças, principalmente no que diz respeito à restrições quanto ao escopo de atuação e ao funding.

 

Como as SCMs foram constituídas como instituições financeiras, e em vista disso, possuem finalidade lucrativa e não são restritas às limitações usurárias, o regulador entendeu que a criação dessa forma institucional fosse a que melhor se enquadraria no propósito de estimular o desenvolvimento do setor no país, pois considerou que tendo como pré-condição a finalidade lucrativa, a instituição poderia ter maiores condições de manter sua auto-sustentabilidade. 

 

Desse modo, à SCM caberia manter, simultaneamente, duas funções: a primeira, relacionada à sua finalidade lucrativa e manutenção de sua sustentabilidade; a segunda, relacionada à sua função social de facilitar o acesso do crédito produtivo aos microempreendedores, que usualmente são excluídos do sistema financeiro tradicional.

 

            No entanto, de acordo com a análise de diversos autores, mencionados ao longo desta dissertação, a regulamentação das SCMs é considerada rigorosa se for levado em conta que a atuação do BACEN envolve tanto controles prudenciais quanto estruturais - pois se preocupa em limitar os riscos assumidos pelas instituições, por meio de restrições operacionais, contábeis e de procedimento e do estabelecimento de controles sobre capital mínimo para abertura, endividamento e diversificação de risco por cliente, dentre outros – vis-à-vis à ausência de riscos inerentes à captação de depósitos do público.

 

Um fator negativo relacionado à regulação com base na criação de uma regulamentação específica para as IMFs, como é o caso brasileiro, reside no fato de que determinadas imposições conforme as que foram acima mencionadas podem fazer com que as IMFs tenham que se adaptar às mesmas exigências impostas ao setor financeiro tradicional, apesar de possuírem características distintas uma das outras.

 

Prova disso é que o ambiente regulatório no país ainda apresenta um série de obstáculos a serem superados de forma a massificar efetivamente o crédito produtivo aos microempreendedores - apesar dos avanços obtidos nos últimos anos -, conforme se pode depreender das propostas encaminhadas pelas SCMs ao Grupo de Trabalho Interministerial de Microfinanças e Microcrédito, em janeiro deste ano. 

 

Por outro lado, embora pareçam ser rigorosos os controles sobre as SCMs, essa estratégia do regulador pode se enquadrar na chamada “curva de aprendizado”, ao ter como objetivo aguardar que as SCMs estejam suficientemente maduras para que estejam em condições de captar depósitos do público ou ampliar seu escopo de atividades, pois isso aumentaria substancialmente o número de requerimentos e exigências a serem feitas pelo BACEN, inclusive no que diz respeito à supervisão dessas instituições.

 

Uma demonstração desse fato é a afirmação, pelo BACEN, da preocupação quanto ao aperfeiçoamento do atual modelo regulamentar, mas mantendo, contudo, os critérios de solidez institucional observados para o Sistema Financeiro Nacional. Isso reflete portanto, uma necessidade em tornar o processo de regulação do setor gradual no sentido de acompanhar o desenvolvimento das IMFs que nele atuam.

 

Além disso, determinados empecilhos ao desenvolvimento do setor estão fora do âmbito do BACEN como autoridade reguladora, como alterações na legislação tributária e comercial, indicando que a regulação por si só não bastaria para resolver os problemas de ordem estrutural que se apresentam no mercado brasileiro.

 

            Finalmente, uma análise da regulação proposta permite concluir que a construção de um setor de microfinanças mais desenvolvido necessita de outros fatores que não podem ser tomados de forma isolada, e que vão além do arcabouço legal e regulamentar vigente.

 

Por essa razão, o seu desenvolvimento depende também da estabilidade macroeconômica, do grau de credibilidade do regulador e das instituições reguladas, e da adoção de mecanismos que permitam a flexibilização gradual das operações, de modo a incentivar as SCMs a atuarem de forma mais segura e por que não, mais inovadora.

Sugestões para uma nova agenda de pesquisa

 

Por ser um tema bastante interessante e atual, o estudo relacionado à microfinanças e microcrédito pode se tornar bastante extenso e abranger inúmeras variáveis, razão pela qual nem todas foram analisadas nesta dissertação, tendo em vista que se limitou a elaborar um panorama sobre regulação, microfinanças e microcrédito, e a abordar as principais características e limitações do atual modelo regulamentar no caso brasileiro, com base nas Sociedades de Crédito ao Microempreendedor.

 

Em virtude de tal delimitação, não foram realizadas análises referentes aos impactos causados pela adoção de políticas públicas voltadas para o microcrédito na geração de emprego e renda para os microempreendedores, configurando, portanto, um tema sugestivo para futuros debates.

 

Além disso, outra pesquisa que pode ser empreendida levando-se em consideração o mesmo tema, é a que trata de analisar os impactos causados pelas medidas impostas pela Resolução 3109, de 24 de julho de 2003, que define em quais condições alguns bancos, além da Caixa Econômica Federal e das cooperativas de crédito de pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores e as cooperativas de crédito de livre admissão de associados, podem realizar operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores.

 

Referida pesquisa poderia ter como objetivo analisar o cumprimento das medidas impostas pela Resolução 3109/2003, principalmente pelos bancos comerciais, tendo em vista que estas instituições financeiras não vêm demonstrando interesse em destinar parte de seus recursos para operações de microfinanças, cabendo então a análises futuras uma investigação sobre os motivos de tal fato.

 

 


 

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http://www.portaldomicrocrédito.org.br

http://www.ibam.org.br

http://www.worldbank.org.br


 

ANEXO

 

Principais Leis e normativos relativos a microfinanças e microcrédito no Brasil:

 

-                    Lei 9790, de 23 de março de 1999: dispõe de forma abrangente os requisitos que devem ser cumpridos pelas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos a fim de serem qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e institui as regras que regem seu funcionamento e controle.

-                    Decreto 3100, de 30 de junho de 1999: regulamenta a Lei nº 9790/99 e define os aspectos vinculados aos requisitos para a autorização, funcionamento e supervisão das Sociedades Civis de Interesse Público.

-                    Medida Provisória 1914-4, de 28 de julho de 1999: modifica as normas vinculadas à usura, excluindo de seu alcance as OSCIPs e SCMs.

-                    Resolução 2627, de 02 de agosto de 1999: dispõe sobre a natureza, constituição e funcionamento das SCMs, definindo limites individuais de crédito, capital mínimo, e sua supervisão pelo BC. Revogada pela Resolução 2874/2001.

-                    Circular 2915, de 05 de agosto de 1999: estabelece os procedimentos relativos à autorização e ao funcionamento das SCMs. Revogada pela Circular 3076/2002.

-                    Circular 2964, de 03 de fevereiro de 2000: estabelece a obrigatoriedade da elaboração, remessa e publicação de demonstrações financeiras por SCMs.

-                    Carta-Circular 2898, de 29 de fevereiro de 2000: define os padrões contábeis para as SCMs baseados naqueles definidos para as instituições financeiras.

-                    Lei 10194, de 14 de fevereiro de 2001: dispõe sobre a instituição de sociedades de crédito ao microempreendedor e dá outras providências.

-                    Resolução 2874, de 26 de julho de 2001: revoga a Resolução 2627/99 e dispõe novos regulamentos para a constituição e o funcionamento de sociedades de crédito ao microempreendedor.

-                    Circular 3061, de 20 de setembro de 2001: dispõe sobre a prestação de informações para a Central de Risco de Crédito para as SCMs. Revogada pela Circular 3166/2002.

-                    Circular 3076, de 07 de janeiro de 2002: estabelece disposições complementares à Resolução 2874, de 2001, relativas à autorização para funcionamento, transferência de controle, reorganização societária e auditoria independente de sociedade de crédito ao microempreendedor e instalação de posto de atendimento ao microempreendedor. Revogada pela Circular 3182/2003.

-                    Circular 3.182, de 06 de março de 2003: dispõe sobre os procedimentos de autorização para funcionamento, transferência de controle societário, reorganização societária e cancelamento da autorização para funcionamento de sociedade de crédito ao microempreendedor, bem como de instalação de posto de atendimento ao microempreendedor.

-                    Medida Provisória 122, de 25 de junho de 2003: conferiu ao Conselho Monetário Nacional competência para regulamentar as aplicações dos bancos comerciais, dos bancos múltiplos com carteira comercial, da Caixa Econômica Federal, bem como das cooperativas de crédito de pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores e de livre admissão de associados, em operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores, baseadas em parcelas de recursos oriundos dos depósitos à vista.

-                    Resolução 3104, de 25 de junho de 2003: dispõe sobre a abertura de contas
especiais de depósitos à vista.

-                    Resolução 3109, de 24 de julho de 2003: dispõe acerca da realização de operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores.    

-                    Resolução 3128, de 30 de outubro de 2003: altera a Resolução 3109/2003, que dispõe sobre a realização de operações de microfinanças destinadas à população  de  baixa renda e a microempreendedores.

 



[1] Nesta dissertação será considerado como sistema financeiro ou bancário tradicional o sistema financeiro formado pelas instituições que não realizam operações de microfinanças.

[2] O Conselho da Comunidade Solidária tornou-se em 2000 uma organização da sociedade civil de interesse público denominada Comunitas, com sede no Rio de Janeiro e escritórios em São Paulo e Brasília, com o objetivo de assegurar a continuidade das estratégias de fortalecimento da sociedade civil e de promoção do desenvolvimento social promovidas pela Comunidade Solidária. Maiores detalhes ver http://www.comunitas.org.br.

[3] Lei criada pelo Decreto 22.626, de 07.04.33, que proíbe, além da fixação de taxas de juros superiores a 12% ao ano, a cobrança de juros sobre juros. Não se aplica, entretanto, às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a quem são permitidas a cobrança de juros acima desse percentual.

[4] Embora alguns autores diferenciem regulação de regulamentação (ver SADDI, Jairo. Crise e Regulação Bancária. Textonovo, 2001), na presente dissertação as duas palavras serão usadas com o mesmo sentido.

[5] Para maiores detalhes acerca de outros instrumentos considerados válidos para se evitar as corridas bancárias, ver Santos (2001).

[6] O Acordo da Basiléia, firmado pelo Comitê da Basiléia de Supervisão Bancária – formado pelos países pertencentes ao G-10, definiu, em 1988, as principais recomendações para a supervisão bancária desses países, sendo adotado posteriormente por vários outros países, inclusive o Brasil. Tais recomendações deveriam ser adotadas pelas instituições financeiras localizadas nos países adeptos do Acordo, de maneira a reduzir o risco da insolvência bancária para o sistema financeiro como um todo e para os depositantes, com base em um nível mínimo de capital necessário à cobertura dos riscos assumidos. De uma maneira resumida, o trabalho do Comitê afirma que haja três pilares fundamentais para que o sistema financeiro se torne mais seguro e sólido: requisitos mínimos de capital, processo de supervisão bancária e uso efetivo da disciplina de mercado.

[7] Além do Grameen Bank, de Muhammad Yunnus, merecem destaque também a atuação do Bank Rakyat  da Indonésia, e, particularmente na América Latina, as experiências ocorridas no Peru – com as chamadas Cajas Municipales e na Bolívia – com o BancoSol.

[8] Definição extraída da Publicação “Introdução ao Microcrédito”, elaborada pelo Conselho da Comunidade Solidária em 2002 e que se encontra disponível no endereço eletrônico http://www.comunidadesolidaria.org.br e http://www.portaldomicrocredito.org.br.

[9] Fonte: Idem.

[10] Credit Unions são instituições financeiras sem finalidade lucrativa cujo capital pertence aos seus membros, a quem também cabe sua administração, e que tem como objetivo fornecer serviços financeiros a seus membros, incluindo depósitos e empréstimos. Algumas empresas podem organizar credit unions para seus empregados, por exemplo. Para se filiar a uma credit union, o indivíduo deve pertencer a alguma organização como associações ou sindicatos, e passa a ser considerado seu membro a partir do momento em que deposita uma determinada quantia na instituição, que é a cota representativa de sua participação nessa instituição.

[11] Essa análise foi realizada com base em instituições que já atuavam no setor de microfinanças, e cuja atuação passou a ser regulada. Nesse caso, as regras são adaptadas para permitir que as instituições existentes operem no ramo, diferentemente de quando é criado um quadro regular específico para microfinanças. Nesse caso, surge a figura da entidade especializada em microfinanças, como é o caso brasileiro, verificado adiante.

[12] Fonte: Síntese de indicadores sociais 2002, Departamento de População e Indicadores Sociais. Informação demográfica e socioeconômica nº 11. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. 383 p.

[13] Fonte: Idem.

[14] Segundo pesquisa elaborada em 37 países, os quais, juntos, representavam quase 2/3 da população mundial, em 2002 o Brasil figurava em sétimo lugar no ranking dos países com maior nível geral de empreendedorismo. A taxa brasileira de atividade empreendedora total, que indica a proporção de empreendedores na população de 18 a 64 anos de idade, foi de 13,5%, estimando-se em 14,4 milhões o número de empreendedores no País, dos quais 42% eram mulheres. Além disso, o Brasil apresentou a maior taxa de empreendedorismo por necessidade, 7,5% do total, enquanto a média foi inferior a 2%. Isto é, 55,4% dos que abriram um negócio próprio em 2002 o fizeram por dificuldade em encontrar trabalho. Fonte: GEM - Global Entrepreneurship Monitor, projeto criado pela London Business School (GB) e pela Babson School (EUA) e coordenado no Brasil pelo IBQP/PR em parceria com o Sebrae, disponível em: http://www.sebrae.com.br/br/ued/index.htm. Acesso em 03.02.2004.

[15]De acordo com a Lei 9.841, de 05/10/1999, o conceito formal de micro e pequena empresa foi estabelecido considerando-se microempresa como a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais). A classificação do Sebrae, entretanto, é baseada por porte das empresas, uma vez que este órgão não dispõe de fontes oficiais ou base de dados que forneçam informações de faturamento dessas empresas. Assim, são consideradas microempresas os estabelecimentos formais - ou seja, estabelecimentos que possuem registro junto aos órgãos oficiais credenciados do Ministério do Trabalho e Emprego -, atuantes nos grandes setores de atividade econômica - indústria, comércio, serviços e agropecuária – que tenham até 19 empregados, se atuantes na indústria, e até 09 empregados se atuantes em comércio ou serviços; e pequenas empresas, aquelas que tenham de 20 a 99 empregados se atuantes na indústria e de 10 a 49 se atuantes em comércio ou serviços.

[16] Dados disponíveis em http://www.sebrae.com.br, a partir da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS 2001, do Ministério do Trabalho e Emprego. Esses dados não levam em consideração empreendimentos informais.

[17] Dados disponíveis em: http://www.bcb.gov.br/htms/Deorf/d200312/quadro1.asp. Acesso em 03.02.2004. Dados relativos a dezembro/2003.

[18] Medidas governamentais como estímulo ao aumento no número de correspondentes bancários pelo país têm sido tomadas para solucionar esse problema. Para maiores detalhes, ver Alves e Soares (2003).

[19]O volume de crédito total concedido pelas instituições financeiras privadas respondeu, em 2003, por 59% do total de R$ 411,4 bilhões, equivalendo a R$ 242,8 bilhões e ultrapassando o total de R$ 168,6 bilhões em créditos concedidos pelo sistema financeiro público. A relação do volume total de crédito concedido, em Reais, com o Produto Interno Bruto manteve-se em 25,5% nesse mesmo período. Fonte:  http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM. Acesso em 02.02.2004. Nota do autor: Essa proporção é considerada pequena em relação à proporção observada nos países desenvolvidos, e até mesmo em países latino-americanos, como o Chile.

[20] Quase 70% da população brasileira está completamente excluída do sistema bancário, o que significa que não possui qualquer tipo de conta bancária. Se incluirmos nesse grupo também os clientes que têm apenas caderneta de poupança, sem qualquer privilégio de cheques ou saque a descoberto, a proporção de brasileiros às margens do sistema bancário chega a 85% da população. Fonte: McKinsey and Company. Produtividade no Brasil: A Chave do Desenvolvimento Acelerado, adaptado por Miriam Leitião. Campus, 1999, p. 80, citado em: GOLDMARK, Lara; POCKROSS, Steve; VECHINA, Daniele. A Situação das Microfinanças no Brasil.  BNDES: Rio de Janeiro, 2000.

Além disso, no Brasil, em 1997, existiam 9,5 milhões de empresas informais, das quais 86% por conta-própria e 14% empregadores. Cerca de 58% eram empresas de comércio e serviços e 28% da indústria. Fonte: Sebrae, disponível em: http://www.sebrae.com.br/br/ued/index.htm.

[21] O Projeto Uno - ou União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações - instituição criada em Recife, Pernambuco, em 1973, foi a precursora do atual Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos – CEAPE-Pernambuco, uma organização não governamental que atualmente é parte de uma rede nacional de CEAPEs espalhados por todo o país. A UNO era uma ONG especializada em fornecer microcrédito a trabalhadores de baixa renda do setor informal, além de capacitação básica de gerenciamento, sendo, por muitos anos, uma referência para a expansão dos programas de microcrédito na América Latina. Após dezoito anos de atuação desapareceu devido à falta de auto-sustentabilidade.

[22] Por ser o objeto de estudo desta dissertação, apenas o aspecto legal e regulamentar do setor de microcrédito será analisado em detalhes.

[23] Um exemplo da utilização do uso de linhas de crédito subsidiadas é a do Banco do Povo do Estado de São Paulo, um fundo destinado ao microcrédito criado em 1998 pelo Governo do Estado de São Paulo, de quem recebe os recursos. Esse crédito repassado a taxas subsidiadas, segundo Kumar et. al. (2003), pode gerar distorções no mercado pela criação de barreiras a novos competidores, que não se sentirão motivados a atuar nesse mercado por considerar que serão incapazes de manter sua auto-sustentabilidade por meio de taxas tão baixas quanto as praticadas por aquele Fundo.

[24] Nesse aspecto, é importante ressaltar o papel do Comitê Executivo do Marco Legal do Microcrédito, oriundo de uma das rodadas de interlocução política do Conselho da Comunidade Solidária, que conta com a presença de representantes de SCMs, OSCIPs, Cooperativas de Crédito, BACEN, BNDES e alguns bancos oficiais como Banco do Nordeste, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. É no Comitê Executivo do Marco Legal do Microcrédito que discussões sobre regulação são debatidas e encaminhadas ao CMN e ao BACEN para mudanças posteriores, inclusive de caráter legal (MARTINS et. al., 2002).

[25] No Brasil, o Conselho Monetário Nacional – CMN detém as atribuições da regulação e supervisão do Sistema Financeiro Nacional, enquanto que ao Banco Central do Brasil – BACEN compete a operacionalização dessas atividades.

[26] Tal medida provisória representou um avanço para o setor, uma vez que tem se tornado um consenso entre as autoridades governamentais de todo o mundo que as IMFs devem operar com base em taxas livres e baseadas na livre competição do mercado, e não mais limitadas por tetos máximos. Nesse sentido, a Lei da Usura era considerada um obstáculo ao desenvolvimento do setor no país.

[27] Na Bolívia foi criada em abril de 1995 uma nova categoria de instituição financeira para atuar no setor de microfinanças, os Fondos Financieros Privados (FFP), a quem também são permitidas operações de crédito tradicional, captação de depósitos, leasing e factoring. Já o Peru adotou, nos anos 80, as Cajas Municipales de Ahorro y Credito (CMAC), baseando-se em experiências de cooperativas de poupança na Alemanha, e, posteriormente, em 1994, foi criado um novo tipo de instituição para que as ONGs atuantes no setor de microfinanças pudessem se converter em instituições financeiras, as chamadas Entidad de Desarrollo para La Pequeña y Microempresa (EDPYME).

[28] Para maiores detalhes sobre o CrediAmigo e outras experiências, ver Kumar (2003).

[29] A pesquisa realizada pelo IBAM identificou um total de 133 instituições microfinanceiras em funcionamento no Brasil, em 2002. Foram enviados a estas instituições formulários com questões relacionadas a desenvolvimento institucional, gestão estratégica e operacional e metodologia de crédito, sendo que 59 instituições, ou 44% do total, responderam aos questionários. Referida pesquisa deu origem aos indicadores sobre o setor apresentados em http://www.ibam.org.br. Maiores esclarecimentos ver: FONTES, Ângela M. Mesquita et. al. A expansão das microfinanças no Brasil. Rio de Janeiro: IBAM/Fundação Ford, 2003. 204 p.

[30] Desde o início do programa em 1997 até junho de 2001, foram concedidos R$ 44 milhões a 31 instituições, atingindo indiretamente 34.356 clientes ativos dessas instituições. Em termos de composição da carteira, 76% dos empréstimos foram destinados ao setor informal, 91% destinados ao financiamento de capital de giro e 53% direcionados às mulheres (Fonte: KUMAR et. al., 2003).

[31] A Taxa de Juros de Longo Prazo ou TJLP é a taxa regulamentada pela Resolução do BACEN nº 2121, de 30.11.1994, com alterações sofridas pelas Resoluções do BACEN nº 2145, de 24.02.95, nº 2335, de 13.11.1996, nº 2587, de 30.12.98 e nº 2654, de 30.09.1999. É obtida pelo somatório da meta da inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional e um prêmio de risco, que incorpora uma taxa de juro real internacional e um componente de risco Brasil numa perspectiva de médio e longo prazo. Além disso, tem vigência trimestral, sendo expressa em termos anuais.

[32] Segundo Kumar et. al. (2003), diferenças quanto a exigências de capital mínimo entre os países que operam com microfinanças pode ser medido em termos da razão do capital mínimo exigido para bancos e para as IMFs. Assim, como exemplo, temos que essa razão é 3,3 no Panamá, 3,9 em El Salvador, 9,1 na Bolívia, e 19,3 no Peru. No Brasil, essa diferença é muito alta comparada a esses países, pois é de 175 vezes para bancos comerciais [R$ 17.500 mil / R$ 100 mil] e de 125 vezes para bancos de investimento [R$ 12.500 mil / R$ 100 mil]. (Fonte: Kumar et. al., 2003).

[33] A alienação fiduciária, criada pela Lei n° 4728, de 14 de julho de 1965, é também conhecida por alienação em garantia e é a transmissão da propriedade de um bem ao credor para garantia do cumprimento de uma obrigação do devedor, que permanece na posse direta do bem, na qualidade de depositário. No caso de o devedor não liquidar a obrigação no vencimento, o credor poderá requerer a ação de busca e apreensão do bem alienado e, após apossar-se do mesmo, vendê-lo a terceiros, aplicando o valor de venda no pagamento do crédito.

[34] Isso se deve ao fato de que a proibição contida na Resolução revogada não está mais contida no texto da Resolução em vigor, razão pela qual se entende que há essa permissão, embora não tenha sido expressamente citada no referido normativo.

[35] A Central de Risco de Crédito foi implementada em junho de 1997, com a finalidade de proporcionar ao BACEN meios para avaliações globais sobre o mercado de crédito, auxiliando no desempenho das atividades de autoridade responsável pela supervisão do SFN. Atualmente está sendo substituída pelo Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR, que pretende ser o principal instrumento utilizado pela supervisão bancária para acompanhar as carteiras de crédito das instituições financeiras, desempenhando papel importante na garantia da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional e na prevenção de crises, proporcionando mais facilidades para os tomadores de empréstimos e maior transparência para a sociedade.

[36] As SCMs não são sujeitas, entretanto, à auditoria externa por empresas de auditoria independente ou mesmo publicação dessas informações, desde que estejam constituídas como companhia de responsabilidade limitada ou sociedade anônima com menos de 20 acionistas. Essa dispensa reflete a preocupação das autoridades governamentais em não onerar demasiadamente os microempreendedores.

[37] Essa análise levou em consideração a definição de controles citada em Jansson e Wenner (1997), conforme citada anteriormente. No entanto, de acordo com a definição de controles proposta por Vittas (1992), citado em Martins et. al. (2002), as SCMs estariam sujeitas a controles estruturais em razão de terem suas alterações societárias, escopo de suas atividades e controles de entrada sujeitas à regulação e supervisão do BACEN. 

[38] Conforme carta de 26.01.2004 contendo as “Propostas de aperfeiçoamento do marco legal” escrita por várias SCMs em todo o Brasil e conforme propostas levantadas pela Associação Brasileira de Sociedades de Crédito ao Microempreendedor - ABSCM, apresentadas na reunião de microcrédito junto ao Grupo de Trabalho Interministerial de Microcrédito e Microfinanças, realizada no dia 06 de fevereiro de 2004, em Brasília (DF).

[39] Fonte: MARTINS, Paulo Haus. A regulamentação da área de microfinanças. Disponível em: http://www.rits.org.br/legislacao_teste/lg_testes/lg_tmes_abril2002.cfm, 2002. Acesso em 03.03.2004.

[40] Referida Lei regula o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte, e estabelece, no art. 9°, que não poderá optar pelo SIMPLES, dentre outras, a pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade por ações ou cuja atividade seja banco comercial, banco de investimentos, banco de desenvolvimento, caixa econômica, sociedade de crédito, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedade corretora de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidora de títulos e valores imobiliários, empresa de arrendamento mercantil, cooperativa de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidade de previdência privada aberta.